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Sunday, January 28, 2024

MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS 


Movimentos Libertários 

Não há notícia, no mundo de hoje, 2024, de algum movimento operário ou campesino que esteja em pé de guerra contra o governo de seus países. Temos por isso a impressão, contudo apenas aparente, de que inexiste hoje movimento popular ativo e militante. Um grande engano. Há o movimento sobrevital, os populares que roubam, assaltam e matam nas ruas por uma féria mínima, seja dinheiro, correntes, relógios, telefones celulares, computadores de mão e laptop, filmadoras, automóveis, a grande maioria para trocá-los por dinheiro no primeiro interceptador da esquina, este também um popular com algum capital na mão, seu ou do dono do negócio .

            Lembram os pedintes franceses de 1788, um ano antes da Revolução Francesa, que, devido ao estado geral de penúria do povo, resultante da acumulação capitalista, naquela época perpetrada também pelos nobres da Corte, clero inclusive, passaram a vagar aos milhares pelo país, a invadir, roubar e destruir castelos, muitas vezes assassinando seus proprietários, assemelhando-se tanto mais às inúmeras invasões e assaltos a residências nas grandes cidades e a fazendas no interior.

 

Na China: “Traço distintivo em relação à Revolução Francesa é que na China não houve uma Bastilha ou um Palácio de Inverno. As Bastilhas da China foram as milhares de granjas dos proprietários rurais defendidas por milícias feudais que foram, uma a uma, tomadas de assalto pelos camponeses armados e organizados modernamente, pela primeira vez então, na história da China, numa luta que durou, na fase inicial, mais de 20 anos. Os requintados tetos dourados do Palácio Imperial de Pequim ou os edifícios ministeriais em Nanquim do Kuomintang nunca foram tomados de assalto por alguém, mas passaram às mãos dos revolucionários quando todo o velho regime se desagregou sob os ataques de um exército de guerrilheiros nascidos das raízes da terra chinesa que conseguiu ocupar as cidades ao fim de prolongado assédio.”

   “Havia dificuldades econômicas, a situação dos camponeses piorava, crescia o número de notáveis com títulos e cargos comprados, não obtidos através dos rotineiros “exames imperiais”, aumentava a ineficiência e a corrupção da administração.”

 

            Toda essa movimentação popular de hoje passa despercebida por uma reles conveniência dos dirigentes dos países sobretudo da América Latina, que a atribuem exclusivamente, como deixam bem claro os telenoticiários de todos os meios de comunidação, ao trabalho de “bandidos” ligados ou não ao “crime organizado” para investirem no “tráfico de drogas” ou à fissura de alguns “viciados” para saciarem o vício.

            Não é só o cidadão comum que não a percebe, mas também as resistências e os projetos políticos organizados em defesa da fartura para todos, que “estão dormindo de touca” por não perceberem que a única diferença  entre essas guerras civis urbanas e os movimentos populares libertários havidos ao longo da história é precisamente, no nosso caso de hoje, que essas guerras civis urbanas atuais não contam com intelectuais para defendê-las. Ao contrário, os grupos de intelectuais e políticos pró-fartura existentes ainda não compreenderam que o fenômeno do roubo e assalto urbano é  uma “militância da necessidade de sobreviver”, do “instinto de sobrevivência”, uma “militância social”, e tratam-no banalmente como “questão de segurança pública”, insistindo apenas em acusar os governos de “omissão” e “má administração” e deles apenas exigir que cumpram seu papel de “responsável pela segurança pública e combatam o crime com humanitária eficácia”. Os ricos preferem assim.

 

A realidade é o produto, a sequela do código de conduta dominante. Gera muitas forças em movimento, cada uma com suas reivindicações específicas além da reivindicação genérica à liberdade.

A ideologia dominante representa apenas o reles código de conduta instituído, que, no Brasil sob o lema “Ordem e Progresso”, ou “PIB-Brasil”, ou “regime capitalista de produção”, a bem da verdade para representar convenientemente os interesses dos donos do mundo,  tolhe e visa a reprimir e impedir o desenvolvimento dos grupos sociais e dos indivíduos. Assim, não existe uma “realidade nacional”, mas várias realidades isoladas, representando cada uma a realidade momentânea conjuntural de cada grupo, como “a realidade dos trabalhadores”, “a realidade dos marginais”, “a realidade dos negros”, “a realidade das mulheres”, “a realidade dos transgêneres” e assim por diante: 

1 – movimento do trabalho e dos trabalhadores

2 – movimento feminista

3 – movimento gay

4 – movimento ecológico

5 – movimento negro

6 - movimentos de expropriadores por sobrevivência ou expropriadores informais

7 – movimento de empreendedores marginais

8 – movimento dos presidiários

9 – movimentos guerrilheiros

 Os seres humanos vêm-se agrupando para reivindicar direitos desde a primeira necessidade não-satisfeita, e os agrupamentos tornaram-se hoje tão categorizados ao ponto de, quando inconscientes de que a insatisfação setorial é mera sequela do empeno das fundações desta civilização, passarem a competir entre si como numa corrida para ver quem vai chegar antes para assumir o poder antes dos outros. Um tal duelo, porém, se bem que impossível de reprimir na prática do dia-a-dia capitalista, deve ser sempre preterido em prol da reivindicação coletiva contra os valores idealizados da evolução de nossa sociedade, a favor do resgate dos valores naturais, instintivos e espontâneos do ser humano. 

1 – movimento do trabalho e dos trabalhadores       

Porque todos os seres humanos trabalham para viver, isto é, trocam sua força de trabalho por dinheiro, sendo que a grande maioria como empregados de alguma empresa, o movimento dos trabalhadores é o maior movimento libertário existente no planeta, sempre lutando, primeiro, para fortalecer cada vez mais a participação do trabalho no contrato social entre capital e trabalho e, segundo, para alcançar enfim a gestão da vida na Terra.

Povo de um país são as pessoas que fazem, reparam, limpam e arrumam todas as coisas e lugares; que cuidam das pessoas, do organismo e da mente das pessoas; que cuidam dos animais; que pilotam animais e veículos; que plantam, cultivam e colhem todos os alimentos vegetais e plantas; que criam, mantem e abatem os animais comestíveis; que extraem leite dos animais leiteiros; que trabalham no controle da fabricação e distribuição de todas as coisas; que trabalham no transporte de pessoas, coisas, documentos e mensagens; os estudantes; os planejadores, os programadores; os cientistas; os artistas.

A base atual do povo trabalhador brasileiro, por ordem de volume e chegada ao trabalho no país, são os os interioranos, os nordestinos, os negros e os imigrantes. Os interioranos são os mestiços indígenas; os eurobrasileiros, ou caras-pálidas, de olhos claros ou não; os morenos carimbó cor-de-bronze do Norte, ou carimbronze; os descendentes de imigrantes.

No Brasil de hoje, 2023,  pós-impeachment do governo PT, este partido representante da classe trabalhadora voltou ao governo depois de um breve período no qual perdera a confiança dos eleitores por suspeita de envolvimento em um esquema de corrupção.

A exposição de todo esquema de corrupção é fenômeno meramente circunstancial a que está exposto qualquer partido que esteja no Poder e cometa —por questão de “governabilidade” foi a alegação neste caso— o nível de pactuação que o PT cometeu com os “donos do país”. Toda exposição, ademais, serve para conscientizar a população sobre como funcionam —desde as origens— os esquemas eleitoral, judiciário, legislativo e executivo no Brasil. Onde há capitalismo há muita sonegação de impostos e compras frias, criando um volume oculto de moeda em circulação que atua, entre outras funções, como um abre-alas para as empresas. 

Como partido agregador e congregador da grande maioria dos trabalhadores, o Partido dos Trabalhadores (PT) deve doravante implantar no Brasil, sem demora, o ensino curricular contínuo, para todo seu eleitorado e a população de um modo geral, de como funciona o governo de um país do Terceiro Mundo. Sem demora, sim, para tentar resgatar o tempo desperdiçado com a prioridade amiúde dada à governabilidade em detrimento da adoção de medidas de fato necessárias ao objetivo do partido e às metas do país para a população, que esteve à deriva dessa governabilidade durante os 14 anos de PT no Poder, o que foi de fato o único erro deste partido desde sua posse em 2003, somado a sua melancólica apelação de atribuir-se a direitíssima mas sempre enganadora virtude de “inocente incorruptível”, coisa impossível onde o capitalismo aplicado,  exógeno, visa atender o capitalismo dos países ricos.

A prioridade dada à governabilidade levou o PT a jogar fora qualquer chance de atribuir sua “possível” transgressão a uma possível posição ideológica libertária, contrária ao modo dominante, porque, à época dos tratados, pactuou precisamente com aqueles mesmos empresários e políticos que, se já os acusara antes para diferenciar sua plataforma eleitoral, passou a acusar de corruptos e responsáveis pelo alegado “golpe de direita”. Aqueles parceiros de pacto já eram corruptos —porque o capital corrompe e sempre corrompeu— quando foram procurados para pactuar ou quando tomaram a iniciativa de transacionar para continuar no poder.

A prioridade de manter-se no poder a qualquer custo levou o PT a entregar-se totalmente nas mãos dos inimigos... até o momento em que estes —a um ano das novas eleições legislativas e a dois anos das novas eleições presidenciais— podem ter decidido que era hora de reverter para si as pródigas propinas até então destinadas ao oponente que ocupava o poder de direito.

O PT não teria caído em tal desamparo se não tivesse adotado uma postura meramente paternalista, e, em vez dela, tivesse ministrado a seu eleitorado e à população a necessária politização que leva ao povo o conhecimento e a consciência das causas econômico-políticas que originam a formação desses esquemas de propinas nos países capitalistas —ou seja, no mundo de um modo geral— porque a congregação estaria engajada ideologicamente com o rumo da liberdade e continuaria forte, pois o rumo da liberdade é um modo de vida, em vez de estar tão perplexa e paralisada com o descalabro, como se constatou, por estar ainda tão enraizada e temente à ideologia dominante. 

“O real não está na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” (Guimarães Rosa)

 

O capítulo “Caixa 2: sonegação e sub/super faturamento” discorre com mais objetividade sobre a formação desses capitais propineiros. 

2 – movimento feminista       

O movimento libertário das mulheres parece o que gerou mudanças mais radicais, considerando-se que mesmo na Roma e na Grécia antigas, fundações estruturais e culturais de nossa civilização, uma mulher recém-nascida podia ser descartada sobre um monte de lixo na esquina de uma via qualquer.

Por falar em cultura, o sentir também é cultural, está atrelado aos valores absorvidos do ambiente e das pessoas circunstantes antes mesmo de termos consciência de que pensamos. 

O uso de panos, na decoração da casa e na solução da lida diária, é cultura da mulher, com origem e fundamento no uso que faziam deles como fralda para absorver o sangue menstrual. Na Europa e nos Estados Unidos, existe o Museu da Menstruação. 

O tempo de reprodução humana é de nove meses para a mulher fabricar um ser, mais 3 meses que ela deve cumprir de resguardo, para regeneração orgânica. A soma dá 12 (doze) meses, ou 1 (hum) ano. Será que a unidade 1 ano = 12 meses tem origem no tempo reprodutivo da mulher? 

Segundo o site “revista pré-univesp”  http://pre.univesp.br/o-movimento-feminista#.WHYHr32cHwI— a primeira “onda” feminista, também no Brasil, reivindicou basicamente o direito ao voto. A segunda, a liberdade, autonomia e direito sobre a própria vida e seus corpos. A terceira onda, entre 1990 e 2000, é uma continuação das reivindicações anteriores, tratando adicionalmente de questões como aborto, violência, especialmente a doméstica, liberdade sexual, corpo e adoção.

A partir de 2000 surgiu e se destacou na Europa, tendo nascido na Ucrânia, o grupo feminino FEMEN, cuja marca é contestar publicamente com os seios nus.

Hoje, 2021, nota-se, porém, em alguns momentos do movimento feminista a única pretensão de ascender ao poder sobre o sexo masculino, como se essa ascendência fosse por si só seu objetivo. Mesmo que ocorra, ainda que possível, a mudança no poder não mudará a ideologia dominante, e portanto é necessário considerar lutar também pela libertação do ser humano, como um todo, dos grilhões da ideologia dominante. 

3 – movimento gay    

O movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais), hoje (2023) LGBTQI+, traz três sensibilidades e três sexualidades: a do sexo natural, a do sexo social e uma terceira, formada pela mescla do sexo natural com o social, que é o resultado da necessária adaptação ao cotidiano, gerador da nova postura existencial-social. Por este motivo —esta suprassexualidade e suprassensibilidade— os polissexuais merecem consideração adicional em relação aos monossexuais, ao contrário da hostilidade hoje vigente (felizmente já decadente).

A maior exposição da prática homossexual nos últimos 50 anos —maior “visibilidade”, como vem sendo chamada— e as consequentes manifestações de desagravo e de apoio à homossexualidade são um mero resgate e renascimento ("revival") de uma prática social natural que era habitual em todos os povos do mundo antigo.

No Brasil, as cidades de Salvador, com o Grupo Gay da Bahia, João Pessoa e Curitiba, destacam-se na liderança da vida gay. No Rio há o famoso Favela Gay. 

4 – movimento ecológico       

O atual presidente dos Estados Unidos, empossado em 2017, retirou-se do Pacto de Paris, que regulamenta o programa da ONU de limpeza do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. Tal atitude confirma a imprevisibilidade dos atos humanos.

       Atitude tão inesperada causou forte decepção nos demais pactuantes diante de tudo o que já vinha sendo realizado para limpar nosso habitat durante o século corrente, e do tanto que já se discutiu, planejou e programou para a questão, como nos mostra Moema Viezzer, escritora, socióloga e militante feminista brasileira, em seu Educação Socioambiental em Tempos de Mudanças Climáticas, de 1992. A síntese deste documento revela a profundidade das novas políticas públicas e atitudes necessárias ao saneamento do ambiente.

1. Alfabetização Ecológica

2. Educação Popular Ambiental

3. A Ecopedagogia

4. A Educ-Ação Socioambiental

5. O Aprendizado Transformador

~Homens e mulheres compartilham as esferas da produção e reprodução da vida;

~Comunidades começam a desenvolver sistemas cooperativos

~Famílias modificam seus hábitos alimentares comprando e consumindo alimentos saudáveis;

~Meninos e meninas aprendem a organizar suas vidas sob a perspectiva de um futuro sustentável;

~Acadêmicos e populares tradicionais intercambiam conhecimentos e saberes;

~Indivíduos e comunidades praticam a economia solidária;

~Novas abordagens conceituais desmitificam os sistemas globais e políticos conservadores;

~A ciência e a tecnologia modernas são revistas em função da sustentatibidade;

~As leis são elaboradas por cidadãos e cidadãs locais que se consideram parte da comunidade de vida e buscam-utilizam recursos e soluções locais para problemas locais;

~Acordos de paz multiplicam-se como parte do viver bem;

~A gestão territorial e ambiental é participativa e transcende delimitações geopolíticas, geralmente criadas a partir de conquistas acompanhadas de guerras.

 

Há também a questão da democratização do conhecimento alimentar. Será preciso divulgar para o povo brasileiro os dados sobre a produção e a distribuição de alimentos no país, para que a população possa planejar sua alimentação. Exemplo, divulgar dados de onde, o que e quanto em quantidade produzimos, quanto disto e daquilo em quantidade importamos e exportamos; quem são os proprietários de quais cultivos e em que proporção; quais são as porcentagens de perda por item entre a colheita e o consumo; quais as margens agregadas ao preço nas várias etapas, e as demais informações necessárias a compreender o processo, opinar e escolher. É preciso que as informações sejam dadas em função de quantidades, e não de valores, porque somos ca. 200 milhões de brasileiros (2021) e precisamos saber de quantos gramas e nutrientes é o nosso PF e o nosso prato doméstico. 

5 – movimento negro 

Deixa o vaticano vaticar o seu vati culá

que eu baticum batuco meu batucaqui!

 

Porque foi difícil, impossível, escravizar em massa os indígenas brasis —os tamoios, “donos da terra” em tupi—  os portugueses passaram a comprar de ingleses e holandeses os negros trazidos da África, ali comprados aos comerciantes locais de escravos ou, mantendo a tradição histórica, capturados diretamente. No primeiro caso, os vendedores eram amiúde as próprias tribos, que vendiam seus prisioneiros apreendidos na guerras locais, ou então grupos africanos que se constituíram para viver do negócio.

Mas o lucrativo negócio atraiu as grandes empresas europeias —inglesas, holandesas e portuguesas— cujo objetivo, entre outros, era comprar e vender africanos, ou já escravos em alguma tribo ou nativos para trabalharem como escravos em outros países.

Escravos já existiam na África, assim como na Europa, antes da chegada dos portugueses ao Brasil. Os prisioneiros das guerras intertribais tornavam-se escravos dos povos vencedores, e nestes eram considerados patrimônio, assim como o território “habitat”, os rebanhos e as plantações. Muitas vezes eram “vendidos” a outras tribos, e foram estes os primeiros a serem “vendidos” para o Brasil.

As primeiras evidências de captura de gente para escravizar datam de ca. de 2000 aEC. (antes da era comum). Os piratas (nome dos navegadores que na época capturavam gente nas cidades litorâneas do Mediterrâneo) atracavam seus barcos,  invadiam a terra firme e capturavam principalmente mulheres e meninos para levar como escravos para o território hoje europeu, onde ou os vendiam aos interessados ou usavam-nos eles mesmos para prostituição e/ou trabalhos forçados.

Grécia e Roma, nossos modelos funcionais que existiram entre os séculos V e IV aEC e II aEC a II dRC, também se utilizaram do modo escravidão na produção nacional.

A origem da palavra “escravo” é mais recente, século XIII dEC, quando o califado muçulmano na Espanha capturou muita gente do povo eslavo dos Balcãs para levar: eslavo (slav) em português, slave em inglês, sklaven em alemão, esclavo em espanhol, esclave em francês. Esses escravos eram de cor e/ou raça branca.

Portanto, a escravidão nada tem a ver com raça, cor, continente ou lugar, e sim com o modo de produção local, indicativo do estágio da evolução da sociedade. Na Idade Média, portanto uns 600 a 800 anos antes de existir o Brasil, a própria Igreja Católica Apostólica Romana já era uma grande proprietária de escravos em seus feudos e domínios da Europa.

No Brasil, considerando que a abolição da escravatura ocorreu em 1888, há menos de 150 anos, e que os africanos e seus descendentes aqui escravizados dali em diante entraram na vida civil do país sem terem aprendido sequer um ofício, sequer a ler e escrever, os negros, que já durante a vigência da escravidão começaram sua luta de liberdade contra os senhores das terras, continuaram lutando para consolidar a liberdade e resgatar suas raízes e valores, logrando estabelecer um movimento de liberdade e identidade próprio e atuante em todos os contextos em que participam.

Na senzala os vários povos e etnias foram misturados pelos senhores para impedir, no mínimo dificultar as conspirações e rebeliões. Os escravizados otimizaram uma sobrevivência possível dentro das opressoras e repressoras limitações, e criando um dia-a-dia, recriando seus costumes, suas lutas, danças e cantos, criaram um povo novo, que não existia na África.

Antes mesmo de abolida a escravidão, começaram a exibir ao público sua produção artística e cultural. O público gostou e a absorveu,seja a alimentação que ali preparavam com os restos e miúdos das aves, dos bois e porcos que lhes eram destinados, como intestinos (dobradinha), moelas, fígados, corações, pés, joelhos e membros (mocotó), orelhas (feijoada), sangue (molho pardo) e os demais*.

* Os portugueses na Europa já comiam miúdos de gado antes de atracarem no Brasil.


Os negros, portanto, ingressaram na sociedade civil com sua produção cultural recriada e/ou inventada na senzala antes mesmo de aprenderem a ler e escrever, o que só puderam realizar, no início ainda com muita dificuldade, depois de receberem constitucionalmente o direito e o acesso às escolas.

Vem daí a definitiva diferença entre o afrobrasileiro e o eurobrasileiro. O afrobrasileiro se recriou aqui, criou modos de convívio, de manutenção da vida comunitária na senzala, um ambiente rudimentar. Trabalhou nos campos, terra, capim, mato e usinas, descalço. Se não era um nativo, como os tupis e outros povos que aqui já estavam há mais de 10 mil anos, era um neonativo. Era um autor de sua própria vida, de seu caminho. Já o eurobrasileiro, que jamais foi proibido de conviver com a cidade, continuou a viver os modos e costumes trazidos pelos portugueses.

Os negros criaram aqui uma ideologia própria, um sentimento de autoria da própria vida e uma consequente maturidade e presença firme perante a ideologia e o sistema dominantes, gerando uma integralidade íntima, porém, e uma produção cultural que, apesar de autorais, muito maduras e muito fortes, não atendiam aos requisitos técnicos e científicos exigidos pelo capitalismo —então ainda “mercantilismo”— para contratação de trabalho livre.

No Estados Unidos da América, os negros intensificaram sua luta por direitos civis nos meados do século XX, insistindo que miscigenar com o branco não era seu objetivo, mas sim cobrar do país o que sua constituição rezava, o princípio “todos são iguais perante a lei”. Uma década adiante, os Panteras Negras dariam aos negros estadunidenses a instrução de não irem à guerra do Vietnã, bradando “Por que ir à guerra por um país que não nos quer?”

Naquele país, as igrejas dos negros agregaram os escravos e conscientizaram-nos de sua condição de seres humanos civis, assim criando uma instituição política que não houve no Brasil, onde a Igreja Católica aristocrática elitista dedicava a eles, e aos pobres em geral apenas preces e a esperança da "a misericórdia divina".

A formação burguesa da sociedade estadunidense, incentivando a criação de negócios, propiciou já na década final do s. 19, por iniciativa dos próprios negros, a formação, existência e prosperidade de uma classe negra escolarizada de pequenos negociantes, profissionais técnicos e liberais e, tanto de homens quanto de mulheres, associações profissionais e comunitárias. Esta classe média negra uniu-se nessas associações em defesa da prosperidade dos negros, ali um povo até então segregado. Esta prosperidade em conjunto foi anulando a questão da segregação e dando lugar a uma forma de desenvolvimento favorável aos negros, à união dos negros enquanto povo, ao contrário de uma miscigenação forçada que lhes seria muito prejudicial, pois com certeza continuaria a causar-lhes muita discriminação e repressão da sociedade dominante.

No Brasil, distantes do mercado de trabalho, os negros constam nas classes mais pobres da sociedade. Como são estas classes as que mais praticam furtos e roubos por uma estrita questão de sobrevivência, e por serem os negros a maioria da população do país e, portanto, da população pobre do país, os negros são a categoria humana mais atingida pela repressão policial.

Por isso o "racismo"* alegado e tão combatido pelo movimento negro é, antes e muito mais, uma questão de "pauperismo" —a não-valorização do trabalho e do trabalhador característica da aristocracia responsável pela formação do Brasil, agravada por uma condição de colônia que durou quase os mesmos 400 anos— e de "culturismo", dada a enorme diferença de sua cultura aqui criada a partir dos vários valores africanos mesclados, e do não-convívio dessa cultura própria com o dia-a-dia brasileiro durante esse longo período— em relação à cultura dominante no Brasil.

*O racismo estrutural existe no Brasil, sem dúvida, mas não atinge somente os negros. É uma soma de “arianismo” europeu, longeva doutrina que pregava a supremacia do ser humano de pele clara e olhos azuis sobre os demais, considerados inferiores, mais a aristocrata exigência de servilidade do subordinado perante a casta superior —”O senhor sabe com quem está falando?—, mais a administrativa linha de comando nas empresas, baseada na “democrática livre iniciativa”, onde no topo estão o dono ou os donos do negócio, que dá aos empresários a panca de quem tem sobre quem não tem —"quem tem manda, quem não tem, obedece”, “follow the leader”, “o dinheiro é meu, eu faço o que quiser”—  mais a militar obediência à linha de comando, necessidade que, comprovada durante as guerras, estendeu-se ao dia-a-dia de soldados e oficiais.

 

Negros brasileiros e negros estadunidenses

Os negros entraram no Brasil civil em 1888, há 130 anos. Durante o trabalho nas fazendas, engenhos e onde mais foram empregados, executaram os trabalhos físicos pesados da plantação, colheita, operação de equipamentos rudimentares, transporte, etc. Aprenderam pela via prática, fazendo com o corpo o que havia a fazer.

Como os negros do Estados Unidos e Brasil vieram para seus continentes aprox. na mesma época, e tiveram história social semelhante, faz sentido dizer que, somado ao fato de serem oriundos de uma mesma raiz, a África, ambos, por essa semelhança e pelo semelhante modo de aprendizado, tenham relação muito mais forte entre si, como raça negra, do que como nacionais de seus países atuais, que os usava e hostilizava. Portanto, uma vez que a influência é antes do colonizador sobre o colonizado, ou seja, depois de Portugal (com Igreja Católica) e Inglaterra o Estados Unidos é o último grande colonizador do Brasil, faz sentido a enorme influência que os movimentos culturais negros estadunidenses têm sobre os negros brasileiros. 

Capital-trabalho nos morros-favelas do Brasil e na ocupação do Meio-Oeste dos EUA

Para ocupar o Meio-Oeste do EUA vieram muitos migrantes das margens interiores da costa leste. Organizaram caravanas, abriram clareiras, derrubaram árvores, construíram casas, araram a terra, plantaram, colheram. Os que quitaram as dívidas, assumiram a propriedade das terras.

Eram migrantes pobres, vivendo “nos fundos” do litoral, que não viu neles as qualificações para o trabalho industrial, ou pequenos e médios empresários falidos.

As terras foram adquiridas ao Governo dos Estados Unidos da América em prazos muito longos, ou então, na minoria, recebidos gratuitamente. 

O fanatismo religioso protestante dos colonizadores do Meio-Oeste do Estados Unidos por volta de 1700 tem como antítese no Terceiro Mundo católico a resignação e autopiedade próprias da Igreja Católica Apostólica Romana e dos dominados.

 

Para as favelas das grandes cidades brasileiras vieram (e vêm ainda) muitos migrantes de outras regiões e cidades. Construíram barracos, constituíram famílias. Mas ali o morador ocupa o imóvel, do qual tem o direito de posse, podendo negociá-lo, mas não tem o título de propriedade, que pertence ao dono das terras dos vários morros da cidade, em geral abastados proprietários de imóveis.

Assim, embora a relação com o terreno e imóvel ocupados seja diferente num caso e outro, o fato de os colonizadores do Meio-Oeste estadunidese e, em muitos casos, os ocupantes das favelas brasileiras usarem seu trabalho para preparar os terrenos e construir as moradias assemelha os dois grupos sociais quanto ao fato de ambos terem usado o trabalho como o único capital que tinham. No caso brasileiro ainda continua a ser assim, pois a necessidade e a criação e ocupação de favelas não acaba. 

Negros brasileiros e o sistema de ensino dos EUA

Se considerarmos que no Estados Unidos, até o fim do ensino médio, os jovens aprendem muito mais da prática das coisas básicas e muito menos das teorias das generalidades, pois lá o ensino fundamental e médio não tem a mesma pretensão de totalidade, enciclopedismo e erudição que no Brasil e nos países latinoamericanos —diferença característica entre a colonização burguesa de lá e a aristocrática de cá— podemos considerar que os negros brasileiros estão muito mais próximos do modo de aprendizado estadunidense do que do brasileiro. Aliás, não só os negros, mas os pobres de um modo geral que logram dominar um ofício —encanador, eletricista, técnico-eletrônico— também. 

Negros e trabalhadores no Brasil

A semelhança entre dois grupos de um mesmo povo oriundo de um mesmo continente que se dirigiram cada um a outro continente diferente deu ao movimento negro um cunho internacional, internacionalista, entre três continentes, África, América do Sul e América do Norte. E esse caráter internacionalista do movimento negro é o mesmo do movimento dos trabalhadores quando este proclama “Trabalhadores de todo o mundo uni-vos!”, unindo os conjuntos “trabalhadores” e “negros” que algumas vezes na história de Brasil e Estados Unidos foram antagônicos em razão da defasagem cultural causada aos negros pela escravidão e pela tardia —apenas há 130 anos— abolição da escravatura.

No Brasil, no início do século XX, houve momentos de conflitos entre os interesses dos trabalhadores e dos negros, pois estes (assim como vários grupos étnicos imigrantes em outros países) se valiam das greves gerais ou parciais para conseguirem vagas de trabalho abertas pelos grevistas, expondo uma defasagem social entre os dois grupos num dado momento, uma vez que é o instinto de sobrevivência quem manda, não um ideal.

Outra defasagem: o negro chega à sociedade civil num momento em que muitos “brancos” politizados já estão descrentes da ideologia dominante capitalista e já a abandonaram conceitualmente para tentarem libertar, de um modo geral, o ser humano do jugo do capitalismo, um sistema tendencioso desde sua fundação e portanto inviável. 

Negros e nordestinos na música e nas artes (sem julgamento do mérito do significado)

Sem julgar o mérito dos significados de letras, arranjos e harmonias, a musicalidade dos nordestinos é mais melódica, e isso se deve a terem eles, primeiro, criado a literatura de cordel —um luxo para uma comunidade pobre— que usa versos muito longos, até de doze sílabas métricas, permitindo, ao musicar tamanha extensão, estender e variar mais a melodia. Quanto à maior corriqueirice dos versos da música nordestina no baião, xaxado, etc., deve-se aos quatrocentos anos de convívio social com a vida civil, convívio que o negro não teve. O nordestino, mesmo sendo um povo pobre, frequentou as praças aos domingos, os rapazes rodando pra lá, as moças rodando pra cá, para se encontrarem e se paquerarem e namorarem com românticos e/ou sensuais olhares ao se verem de frente uns para as outras e outras para os uns. E ainda frequentaram as escolas públicas gratuitas, convivendo com colegas de estudo e com os  professores. Nas noites vésperas de folgas, iam ao forró pé-de-serra dançar e beber.

     Tiveram a influência cotidiana dos fados portugueses e das quadrilhas portuguesas e francesas, e da música holandesa que os holandeses —que os respeitaram— trouxeram durante a invasão e ocupação de 24 anos. Da mazurca. Das músicas que inspiraram a criação do chorinho, e de toda e qualquer música tocada e cantada dia afora e noite adentro.

     Da música dos negros, as mais extensas são os jongos, mesmo assim não chegam perto das doze sílabas métricas. O samba-canção e o samba de partido alto tem no máximo seis sílabas em média, o samba-enredo e o samba de quadra tem versos curtos  de quatro sílabas métricas.

     Os negros durante quatrocentos anos conviveram entre si na senzala e nos campos de trabalho. Muita faina árdua e obrigatória, a base de chibata muitas vezes, e outras, convalescendo delas, ainda com muitas dores. À noite o convívio entre si, enquanto se limpavam, e limpavam e arrumavam o lugar, curavam-se das dores e ferimentos e preparavam a comida. Se sobrava energia, namoravam.

Quando os primeiros brasileiros começaram a nascer, as mães davam-lhes de mamar.  No único dia de folga, aos domingos, inventavam a capoeira simulando dança porque treinar luta era proibido, e cantavam os cantos que trouxeram da África e os cantos que criavam nos campos de trabalho. Descansavam. Tramavam, conspiravam em surdina.

     Relacionavam-se entre si na Senzala, e às vezes com seus amos, ricos e muitas vezes nobres da Corte portuguesa, quando eram chamados à Casa Grande para mandados. Este convívio com os ricos e nobres não teve o nordestino, que conviveu com seus iguais e, quando muito, com seus chefes, que também eram trabalhadores, empregados do lugar. Os vaqueiros conviveram com seus amos nos campos, recebendo ordens, raramente entravam na casa dos patrões “coronéis”.

     O negro cultuou a beleza das rendas, babados e pedras nas vestes nobres de seus amos homens e mulheres. “Quem gosta de miséria é intelectual. O povo gosta de beleza!”, bradou Joãozinho Trinta, um nordestino, quando dirigia o Carnaval da Beija Flor de Nilópolis.

O nordestino do campo viveu em clima muito seco, de terra batida, poeirento, lugar de muita sede e pouca água, portanto de bocas, lábios, línguas e gargantas muito secas.

     Culturas, como vemos, muito diferentes uma da outra. 

Negros e pobres no Brasil:  a pauperofobia aristocrática

É preciso considerar, quando se fala do preconceito contra os negros em nossa sociedade brasileira, que este se refere, antes, ao preconceito contra os pobres, que abrange aquele e é mais estrutural do que étnico ou racial. 

A maioria das pessoas abordadas pela Polícia nas ruas de uma cidade não tem raça ou cor, não tem sexo, mas, antes disso, não tem dinheiro. O que no Brasil está sendo chamado de "racismo" e "homofobismo" é antes de tudo pauperofobismo, produto da formação aristocrática do povo brasileiro.

 

  A pauperofobia é preconceito que possivelmente fortaleceu-se no Brasil quando, nos fins do século 19 e início do século 20, o Estados Unidos começou a impor-se no mundo como grande potência pois ali havia, culturalmente imposto, um duelo entre “vencedores x perdedores” (winners vs. losers) no qual os “perdedores” eram os pobres e os “vencedores” eram aqueles que enriqueciam, os ricos, sendo muito forte o preconceito contra o “perdedor”; no Estados Unidos, por conta do fanatismo religioso positivista dominante, “ser um perdedor” é pecha que nenhum indivíduo quer carregar.

As raízes da pauperofobia devem ter-se firmado provavelmente na época feudal, quando os nobres —em cuja corte figurava a Igreja Católica Romana— uma vez conquistados seus territórios e terras, viviam às custas do trabalho dos colonos dos feudos, chegando a cobrar deles 75% da produção. O trabalho humano valia muito pouco, os colonos não eram sequer considerados nas decisões dos senhores feudais.* Os aristocratas valorizavam apenas a propriedade e a posse de terras e títulos de nobreza como medida de valor, e assim o desprezo pelo trabalho atracou no Brasil junto com os europeus portugueses Cabral, Pero Vaz de Caminha e seus “católicos”.

* Na China, a classe dirigente de administradores e técnicos, consciente de que geriam um país agrário, sempre procurou administrar o país em consenso com a coletividade dos camponeses. Este consenso camponês era necessário porque indicava o reconhecimento camponês da ascendência dos dirigentes, da perícia das diretrizes por eles traçadas, da compatibilidade delas com a tradição chinesa, e portanto da justeza da contribuição que pagavam pelos serviços de gestão.

 

   Ora, a população de negros no Brasil é enorme e a grandissíma maioria dela é pobre, no sentido de não ter propriedade e de receber pagas de trabalho não-qualificado. Porque aqui o tempo obrou contra eles. Considerando que a abolição da escravatura ocorreu apenas há 130 anos, e portanto, que durante 350 anos os negros nada aprenderam do mundo civil e industrial aqui implantado pelos europeus, e que foram, após a abolição, relesmente “largados” no mundo brasileiro com uma mão na frente outra atrás para correrem atrás do prejuízo num mercado de trabalho muito seletivo, muito exigente quanto à competência, para conviverem e lidarem com aquele mundo civil e industrial já àquela altura muito especializado e balizado por uma estrutura econômica-jurídica oriunda daquela mesma formação aristocrática que sempre privilegiou a propriedade em detrimento do trabalho. Ler, acima, “Capital-trabalho nos morros-favelas do Brasil e na ocupação do Meio-Oeste dos EUA”. 

Negros e judeus: em cada grupo considerado separadamente, o “país habitat” é subconjunto do conjunto “povo”

Essa semelhança entre o negro brasileiro e o estadunidense muito se fortalece por causa do opressor “sentimento de estar em terra estrangeira”, ou “na terra dos outros”, que ambos tiveram que suportar.

Além disso, tanto judeus quanto negros foram vítimas de perseguição pelos povos dominantes. Os judeus foram perseguidos pela instituição católica romana inicialmente porque recusaram-se, tendo religião própria, a pagar o dízimo para a religião dominante, que por isso inventou contra eles o mito do “sangue impuro” (aproveitando-se convenientemente do fato de os judeus não acreditarem nas demais ficções da propaganda católica, como anjos, santos, imortalidade da alma, ressurreição dos corpos, providência divina, etc. e de terem vivido sempre em nações alheias desde que foram expulsos de sua terra natal), punido com violência policial, prisões e assassinatos, muitos na fogueira, e a mentirosa acusação de terem sido eles os culpados pela condenação de Cristo, quando esta, de fato, foi ordenada e executada pelos próprios romanos, apoiados, aí sim, pela casta rica judaica, os saduceus, que não queriam pôr em risco seus bons negócios com seus senhores romanos.

Por falar nisso, é preciso salientar que os portugueses, fiéis católicos romanos, além de exterminarem a maioria dos indígenas brasileiros, queimaram também, além de judeus, índios nativos homossexuais.

 E quando a inquisição católica se instalou no Brasil em meados do século XVIII, os brasileiros judeus foram forçados a se converterem ao catolicismo sob pena de morte na fogueira ou deportação. Muitos migraram para outros países, mas a maioria que preferiu permanecer e se converter alterou seus sobrenomes para nomes de seres da natureza e cada um passou a ser chamado de “cristão novo”.

Quando, mais tarde, durante a 2ª Guerra Mundial, a Alemanha invadiu a União Soviética em 1941, a propaganda demagógica descreveu o ataque como uma campanha da raça superior contra os seres inferiores judeus e comunistas. E desde o início o nazismo perseguiu, confinou em guetos e aprisionou judeus em campos de concentração usando-os como trabalho escravo, causando a fuga de muitos e dizimando milhões deles graças a uma política fanática, ignorante por atribuir a eles o colapso econômico do país e pela alegada intenção de purificar a raça ariana alemã, esquecendo-se —o que é de estranhar, já que os executores dessa diretriz eram todos cientistas— de que é a mestiçagem que fortalece os povos.

A igreja católica apostólica romana também perseguiu com muita violência os negros no Brasil quando estes começaram a implantar aqui seus cultos de condomblé. A religião dominante, que participava da gestão das cortes européias, portanto com laços fortes com o poder econômico e político, diante de uma religião concorrente que, também não acreditando nas fantasias dogmáticas católicas, além de ameaçar-lhe a hegemonia poderia repetir a recusa dos judeus a pagar o dízimo, passou convenientemente a acusar a macumba de coisa do “diabo”. Os terreiros resistiram muito e se impuseram, mas não sem terem, entre outras concessões, que baixar o status hierárquico de Exu, que de orixá da liberdade, do desejo de liberdade, passou a uma espécie de reles guarda do terreiro.

Ora, se é verdade que os negros no Brasil e no EUA são, como povo mais do que como raça, cada um um povo coeso dentro de cada um dos dois países onde habitam, então faz sentido dizer que são um subconjunto “brasileiro” (“estadunidense” no EUA) do conjunto “negro”, porque a origem África é anterior ao fato Brasil, e faz sentido também observar que, neste aspecto, se assemelham aos judeus, que se consideram nacionais onde habitam, mas antes, considerado o mundo como um todo, judeus. Os judeus no Brasil, a exemplo do que ocorre nos demais países onde habitam, são o subconjunto “brasileiro” do conjunto “judeu”, porque a característica “judeu” é anterior cronologicamente a “brasileiro”.

A semelhança estreita-se porque também os judeus, ao longo de toda a sua história de convívio no seio de nações estrangeiras, além de lograrem ater-se a sua cultura original, criaram outras culturas próprias, uma para cada país-morada. Os negros começaram, e o fazem até hoje, a recriar sua cultura original na senzala, onde também produziram muita cultura própria, como está dito na abertura desta seção 5. 

Negros e o racismo

Hoje, 2023, chegam através de livros, da mídia em geral e da televisão as queixas dos negros contra o racismo e as consequentes reivindicações dos direitos usurpados.

Há uns 20 anos, quando ouvi pela primeira vez essa apresentação do racismo, o expositor deixou em mim a impressão de que, segundo ele, a escravidão começara no mundo porque existiam negros.

Um grande engano, pois as primeiras manifestações de escravização de gente datam de 2 mil anos antes de Roma católica, quando constam ocorrências de “piratas do Mediterrâneo” atracando nas cidades litorâneas para invadi-las e capturar mulheres e meninos, europeus brancos, que ou usavam ou vendiam para o trabalho escravo ou para uso nos bordéis de prostituição.

O alegado preconceito contra o escravo negro, todavia, nada tem a ver com a cor preta da pele do povo africano, que, no caso, é meramente circunstancial, porque, situando-se a África  logo abaixo da Europa no mapa mundi, nada mais natural que capturá-los o mais próximo possível. Se a América do Sul ali estivesse logo abaixo, em vez da África, os capturados teriam sido polinésios, de raça dita “amarela”.

Segundo, porque, com o regime de escravidão já em vigor no Brasil, a violência contra o escravo ocorreu por reles tirania que os senhores de terras costumavam aplicar a seus escravos, não só para acelerá-los como para punir eventuais fugas, malcriações e malfeitos. É preciso lembrar que, quando Marx estudou o trabalho na Inglaterra por volta de 1840, os empregados, todos brancos, nas manufaturas trabalhavam até 16 horas por dia e muitos só paravam para dormir ou morrer. Muitos eram tratados a chibatadas e fome.

Pois contra essa violência dos senhores muitos escravos se rebelaram; fugiam e, dos que não fossem capturados, muitos voltavam para vingar-se, destruindo as instalações, matando feitores, capatazes, senhores de terras e seus familiares. Foram essas fugas e forras violentas que foram criminalizadas pelos dirigentes portugueses, não a cor negra, que foi colada ao escravo porque ele era negro, e porque os negros que haviam no país eram todos escravos.

Assim, parece ser errônea essa fundamentação do preconceito —como se o alvo original da violência fosse a cor da pele— que está esvaindo nos ares os retumbantes reclamos de hoje, impedindo que tomem corpo e “façam sentido”, apesar de constarem entre os defensores dessa tese autores sociólogos e historiadores de porte no Brasil.

O racismo existe no mundo todo, e há muito tempo. Há muitas lendas de “povos escolhidos” para fundar o mundo, a “supremacia ariana” foi buscar raízes muito lá atrás, no início da era comum, de onde edificou toda uma doutrina que emergiu socialmente e encontrou apogeu no Nazismo, quando tentou erradicar da Europa todos os povos inferiores, não-arianos. Só de judeus os nazistas exterminaram 6 milhões em 8 anos de guerra e apoiaram os turcos otomanos a dizimarem, no mesmo período, um milhão e meio de armênios. Isto sem contar as centenas de milhares de bruxos, ciganos, doentes mentais e outras “ameaças” à superioridade ariana.

Estranho, mas, o que está me ocorrendo nesse preciso instante é que esse extermínio é, no fundo, uma gigantesca contradição, pois se a superioridade ariana precisou dizimar tanta gente, sem contar as exterminadas durante as ações da II Guerra Mundial, para impor-se como superior, é porque não era superior coisíssima nenhuma.

Em primeira instância a História não confirma o racismo, mas, em segunda, sim. Pois os senhores de terras, então portugueses e brasileiros, tendo criminalizado as fugas, forras e revoltas dos escravos, acabaram impondo contra eles o preconceito contra sua capacidade de rebelar-se, um preconceito que, por serem negros os escravos, acabou generalizando-se contra o “negro”. E como todo preconceito nasce de uma violência original, o indivíduo comum passou, para não apanhar também e não sofrer danos sociais temidamente irreversíveis, a evitar demonstrar amizade pelos negros. Outros já iam mais além, não apenas não demonstravam amizade, mas denunciavam-nos às autoridades assim que os viam em atividade suspeita.

O povo negro, tendo que engolir em seco, contemporizou o mais que pôde e parece ter convivido em paz  com o preconceito. Ao ponto, inclusive, de reverenciar os nobres e os senhores de terras portugueses e brasileiros, não apenas no obrigatório tratamento social respeitoso, mas exaltando-os e a seus familiares nos desfiles de blocos de canto e dança que apresentavam nas praças e ruas para exibir-se e arrecadar fundos para sua sobrevivência e prosperidade.

Quando os desfiles de escolas de samba apresentaram seus primeiros corsos na avenida já era visível essa reverência aos personagens dominantes, que instituiu-se de vez quando os desfiles ganharam o mundo através das transmissões de TV, para proveito de seus patrocinadores, enaltecendo os nobres e senhores de terras portugueses, europeus e brasileiros, seus modos, gestos, sapatos de bico fino, trejeitos, suas vestes luzidias, saias rodadas, leques, adornos e maquilagem facial, costumes de época precisamente daqueles impositores e difusores do famigerado “racismo”.

E por falar em TV, quando as novelas brasileiras ali chegaram, já chegaram exibindo e perpetuando todas as perfídias, jogos de poder e mexericos das cortes portuguesas e europeias, fechando o laço com o nó do compulsório sofrimento cristão. Um show de perpetuação da dominação estrangeira, um pacto das elites nacionais com os países seus dominadores e colonizadores.

Pacto que, de um modo geral, o grosso da classe média nacional faz com seus contratantes, e que o povo negro parece ter transposto para as escolas de samba... A título de política e atitude de sobrevivência imediata! Neste caso, em vez de “política de governabilidade”, havia “política de sobrevivência”. 

A média é café com leite

na boca do povo com pão e manteiga,

A média é um agrado, um lubrificante,

ainda um recurso de puxa-saco e baba-ovo.

A média é uma classe social,

Privilegiada, contratada pela de cima,

Mas se não pensar nas de baixo

Em breve estará pobre também. 

6 – movimentos expropriadores por sobrevivência 

A malandragem está atenta, a postos,

 é valente, destemida,criativa, produtiva,

atuante , militante, eficaz, eficiente, e,

devido ao alto risco, metamórfica.

 

“Malandragem, dá um tempo...  pra fazer a cabeça tem hora. ...

É por isso que eu vou apertar, mas não vou acender agora.”  7 

Estes movimentos são formados por pessoas que a ideologia dominante chama de “bandidos”, “marginais”, “traficantes”, “ladrões comuns”, “contraventores”, etc., e de todos são os mais dinâmicos e visíveis a olho nu porque seus atos são noticiados diariamente nos meios de comunicação com os nomes de “assaltos”, “roubo à mão armada”, “assalto com morte”, “tráfico de drogas”, contra os quais está oficialmente instalado e atuante um poderoso aparato repressor, como polícia, delegacias policiais, presídios e sistemas de denúncia.

Estes bandidos em geral são pessoas sem posses herdadas que têm o pensamento livre e a capacidade de empreender por conta própria sob risco total, e por isso, sem acesso aos caminhos de ingresso e ascensão social na sociedade traçados pelos fundadores da civilização, não obedecem à sociedade oficial que os condena a “dar seu jeito” e por isso, por instinto de sobrevivência, aventuram-se sob risco de prisão e morte a negócios com mercadorias e serviços proibidos no código de conduta dominante, e a práticas também proibidas pelo sistema jurídico que o validou. 

— Dê seu jeito! — instou o Gerente de Vendas. — Faça o que for preciso, mas, se não cumprir a quota até o fim da semana, vou ter que te mandar embora.

“Dar meu jeito” significava agir como os demais quando urgia cumprir a quota: recortar e colar logotipos de empresas oficiais no formulário de pedido da empresa, para o cliente atemorizar-se com o aspecto oficial do documento e comprar nosso produto; ameaçá-lo, dizendo-lhe que a renovação do contrato é obrigatória, caso contrário o fornecimento dos serviços será cortado.

O caso é o mesmo do indivíduo que recebe do patrão a ordem de matar alguém que está prejudicando os negócios da empresa. [Ler “Contradição 10”] E a conclusão do súdito é sempre a mesma, não importa o tipo de atividade ou negócio: “Se sou obrigado, para não perder o emprego, a transgredir o código de conduta em benefício de meu patrão, posso transgredi-lo em meu benefício também!”

 

A característica básica e distintiva deste movimento é a de expropriar para si bens e/ou mercadorias das demais pessoas, de qualquer classe, categoria ou função social, com ou sem ameaça de armas, sem o consentimento delas — ao contrário, sempre sob protestos —, militem elas ou não nos demais movimentos libertários. 

"Patriotismo"

Assalto a um banco ou loja, ou outro lugar. Assaltante violento aponta arma, dá uns tapas e coronhadas, mandando todos para um aposento específico. A TV está ligada, pois naquele horário a seleção brasileira vai jogar.

Os empregados do estabelecimento estão já se dirigindo ao aposento determinado quando a TV começa a entoar o hino nacional brasileiro, e a imagem mostra uma panorâmica dos rostos dos jogadores da seleção perfilados, cantando o hino.

— Um momento! Esperem! — ele comanda. Todos param, viram-se amedrontados para ele. — Cantem todos! — ordena.

Ele troca a arma da mão direita para a esquerda, apruma o corpo, pousa a mão direita espalmada sobre o peito e, juntando-se aos demais, começa a cantar o hino nacional. 

O movimento expropriador informal é também dotado de mobilidade nacional. Ontem mesmo (março 2019) um grupo deslocou-se de nordeste para sudeste, do estado de Sergipe para a cidade de São Paulo para atuar durante o Carnaval. Se já eram dez, os tipos de turismo hoje observados no mundo, temos que acrescentar o décimo-primeiro, o “turismo expropriativo”, que começou a ser notado há uns cinquenta anos no Brasil e, na proporção direta da acumulação de capital no pico cada vez mais estreito da sociedade, vem desde então se firmando e constituindo movimento de massa.

Os onze tipos de turismo catalogados são, então, em ordem alfabética: de aventura,  comercial, cultural, consumidor, educativo/aprendiz, ecológico, esportivo, expropriativo, gastronômico, religioso e sanitário. 

7 – movimento de empreendedores marginais

Assim como os bandidos, os empreendedores marginais são, de um modo geral, pessoas sem posses herdadas que têm o pensamento livre e a capacidade de empreender por conta própria.

Mas há empreendedores marginais oriundos das classes ricas. Suas atividades, neste caso, quase sempre são complementares ou suplementares às atividades legais que praticam, e estas geralmente servem de fachada para as ilegais.

É interessante notar, hoje em dia, a ênfase e o incentivo governamental dados ao “empreendedorismo”, isto é, à capacidade que o ser humano tem — e muitos demonstram-no na prática — de montar um negócio próprio. A motivação, a maioria alega, é “não ter patrão”, “ser dono do próprio nariz”, o que aparentemente está ligado a evitar o que Marx chama de “trabalho alienado” (trabalho em que o trabalhador vende sua “força de trabalho” e, da energia nele despendida, entrega uns quatro-quintos para os donos do negócio, para quem cria, enfim, riqueza). Mas esse empreendedorismo incentivado pela ideologia dominante só vale para as pessoas vinculadas oficialmente à geração do Produto Interno Bruto (PIB) oficial.

Os dois casos contratam trabalhadores, e por isso fomentam também o movimento dos trabalhadores. Os empreendedores marginais sem berço rico, por empreenderem atividades de risco total pagam muito bem a seus trabalhadores, em geral muito jovens, que, oriundos da pobreza, levam uma vida farta em total contraste com a vida das comunidades onde se estabelecem.

É possível equiparar este movimento de expansão dos não-privilegiados ao dos filhos não-primogênitos dos reis e nobres na Europa feudal que não tinham direito a herdar as terras dos pais — a herança era direito exclusivo dos primogênitos. Nos dois casos, cada grupo constitui seus exércitos para ir conquistar outras terras; no caso atual, outros domicílios, outros mercados.

Os exércitos dos empresários dos alucinógenos são constituídos pelos ajudantes do bando sob o comando do chefe. Como seu ramo de negócios não é reconhecido pelo sistema jurídico oficial, o “tráfico” tem ética própria, com penalidades próprias para as transgressões contra seu código de conduta.

Em prol deste movimento político natural, instintivo, seus praticantes estão sempre vigilantes para se precaverem e evitarem os repressores e punitivos atos da polícia e das autoridades públicas.

Para melhor evitar as autoridades públicas extorsionárias, dificultando-lhes o acesso e a mobilidade, no Rio de Janeiro em particular e no Brasil em geral abrigam-se já há umas cinco décadas (a partir de cerca de 1960) nas favelas, que ficaram conhecidas, no jargão de Eric J. Hobsbawn, como “área de banditismo”, uma zona de constantes confrontos com a polícia e entre facções rivais. Porém, um comentário recente (setembro 2016) em noticiário de emissora de TV indicia que esta área começa a deslocar-se para apartamentos residenciais das cidades.

Esses empreendimentos funcionam com organização, ética e justiça próprias. A ascensão funcional ocorre por confiança, tempo de serviço e competência.

Há que se ver em separado a situação geopolítica dos empresários do jogo do bicho, os bicheiros —nesta atividade, não são expropriadores, apenas operadores de um jogo proibido por lei— cujos chefes são amiúde verdadeiros patriarcas nos bairros onde residem e sustentam muitas escolas de samba no país.

Os integrantes dos movimentos expropriadores de sobrevivência e dos empreendedores marginais não devem ser vistos como inimigos da sociedade, muito menos como causa de seus problemas. Ao contrário, é a sociedade capitalista, sobretudo a porção de formação aristocrática, é que é inimiga dos pobres, que são, também ao contrário, assim como todos nós, sequela do empeno que norteia e entorta cada vez mais a evolução dos seres humanos. Os marginalizados vivem sob altíssimo risco, risco total, desde o nascimento são ameaçados, agredidos, enxovalhados e perseguidos pela ideologia dominante, mas, como se prezam e se valorizam, e têm que sobreviver —pois o instinto de sobrevivência é predominante— são o risco que os que logram inserir-se na sociedade oficial tem que correr por olharem a sociedade de cima para baixo, como se houvesse uma verdade a ser imposta, e não lutarem por uma nova civilização onde haja fartura para todos.

Qualquer um de nós, não fosse termos nascido em famílias que têm muito ou pouco patrimônio, ou cujos membros têm empregos e/ou estão nos trilhos acadêmicos, poderia ser um marginal... ou um morador de rua, um pedinte.

Quando vejo uma mulher na rua, sentada em cima de uma trouxa de roupa, esperando uma esmola e o dia passar, sempre penso “Podia ser minha mãe.”, e quando vejo na TV um marginal sendo preso, ou na rua um pedinte, penso “Podia ser eu.”, ou “... meu pai.” 

8 – movimento dos presidiários

O movimento dos presidiários é criação brasileira, não existe em nenhum outro país do mundo. O objetivo original era uma alternativa para sobreviver: instaurar a paz entre os bandidos, em vez de fomentar guerras internas entre as facções, e promover sua união contra o Estado opressor e a Polícia, eliminando as condições que produziram e continuam produzindo tanta mortandade. Na continuação, os comandos foram-se organizando e conquistando soberania econômica.

A primeira organização surgiu no Rio de Janeiro, com o nome Falange Vermelha e logo depois Comando Vermelho, no fim dos anos 1970, que montou uma estrutura vertical e hierarquizada.

Já o PCC —Primeiro Comando da Capital— passou a ser uma realidade nacional e a frequentar o debate público, deixando de ser uma “invenção da imprensa”, ao deflagrar em 18 de fevereiro de 2001 a primeira megarrebelião no sistema prisional, atingindo 29 presídios do estado, para exigir a transferência de 5 presos da cúpula da facção. Era o primeiro movimento desse tipo na história mundial. 

9 – movimentos guerrilheiros

A ideologia dominante chama-os “terroristas”, e chega ao ponto de dizer que são pessoas sem família ou com traumas familiares, desprezadas e/ou maltratadas principalmente na infância. Assim, segundo as autoridades constituídas, os bandidos seriam pessoas desprezadas e/ou maltratadas pela sociedade, e os terroristas, por suas famílias.

Ora, pois é precisamente o oposto, bandidos e terroristas são pessoas sem quaisquer problemas sociais ou familiares, já que, primeiro, conhecem mas não reconhecem a sociedade que os condena e seus valores e, segundo, para criarem sua sobrevivência, mesmo que disto não tenham consciência, tem que abrir mão logo cedo da morbidez dos grilhões psíquicos e psicológicos da ideologia dominante que atrelam e oprimem o ser humano comum, como o pecado original, mea culpa, o pagamento dos pecados da humanidade, o temor a deus, temor à morte, e outras hediondas fantasias opressivas, o sucesso individual através da aquisição de status social e acumulação de riqueza. Sem contar os famosos “não roubar” e “não matar” dos dez mandamentos, atividades das mais praticadas durante a expansão dos povos na Europa e noutros cantos do mundo.

Para sobrevivência, os guerrilheiros valem-se também da expropriação de bens e/ou mercadorias de terceiros, equiparando-se aos movimentos expropriadores de sobrevivência.

Seu propósito, ou finalidade, é quase sempre político: através de ações paramilitares, impedir ou no mínimo interferir nas decisões de governos e empresas em prol de suas causas.

Seus praticantes costumam bombardear locais públicos com homens e carros-bombas e explosivos colocados em seus corpos, carros e até aviões como no caso das Twin Towers (“Torres Gêmeas”) no Estados Unidos, destruindo-se, aos locais públicos e matando e ferindo as pessoas nas imediações.

A grande lição que o ataque às Torres Gêmeas do edifício World Trade Center deixou para o mundo é que hoje em dia não é mais preciso a um país ou grupo montar forças militares próprias, com exército, marinha e aeronáutica para atacar outro país ou lugar: basta utilizar a tecnologia e os equipamentos do próprio país-alvo, e dentro do próprio país-alvo. 

A Al-Qaeda assumiu vários desses ataques. Embora seu temível poder de ataque seja inquestionável, e seu principal propósito —a restauração do califado para governar o mundo árabe— não possa ser criticado com olhos ocidentais, tem sido objetivo dos grupos revolucionários de todo o mundo restaurar a independência e a soberania anteriores à qualquer aculturação que tenha trazido para seus países carências socioeconômicas, em consonância com o “determinante econômico em última instância” de Marx. O objetivo do grupo, assim, parece tentar desocidentalizar a Arábia e instituir ali o que no Brasil se instituiu no início do século XX como campanha nacionalista sob o lema “O petróleo é nosso!”. (Mas hoje, 2021, o petróleo brasileiro está ameaçado de privatização. E hoje, 2023, a Petrobrás já foi privatizada!)

Assim, se poderia tentar pleitear junto ao grupo transformar em poder de publicidade esse valioso poder de ataque e essa vigorosa presença internacional, dessa e das demais organizações guerrilheiras, com um propósito bem mais atual, prático, funcional e objetivo, necessário e abrangente, de divulgar ao mundo a inviabilidade de nossa idealizada e tão empenada civilização cristã-capitalista, possibilitando a todos uma aproximação mais rápida da liberdade. (A palavra “cristã”, por ser dominante, está representando aqui todas as religiões, pois são todas mero suporte aos regimes econômicos dominantes.)

Uma vez articulados com um objetivo comum todos os movimentos libertários, será possível à humanidade convergir rumo à construção da liberdade dos seres humanos na Terra; enquanto a liberdade não for de todos, cada ser humano será enxovalhado de um lado para outro, à mercê da ideologia dominante. 

Detalhe importante: a partir da década de 1960, a grande descoberta da imprensa mundial, liderada pela escrita, foi apontar, através de suas reportagens e noticiários, que o responsável pelos danos causados ao ser humano em nosso planeta, e ao próprio planeta, é precisamente o “mocinho”, não o “bandido do filme”!

Há já na juventude uma certa consciência deste fato, tanto que aquela apressada jovem da cidade de Nova York, ao ver em 2001 as Torres Gêmeas desmoronarem atacadas por dois aviões, percebeu a tragédia como uma possível retaliação e perguntou irônica ao namorado ao lado:

— Que país bombardeamos dessa vez? 

A civilização trata os expropriadores por sobrevivência, os empreendedores marginais e os guerrilheiros, estes chamados pejorativamente de “terroristas”, como se estes não existissem como pessoas, como se fossem um reles mas violento incômodo que cabe à Polícia e aos exércitos nacionais deter e conter para viabilizar o “bem”.

Como se a acumulação capitalista não dependesse precisamente da existência de um farto excedente populacional que propicie uma demanda por trabalho muito maior do que a oferta de emprego, sendo por isso abandonado a disputar míseras pagas para lograr permanecer em pé nalguma réstia de chão! Pois os marginais nascem precisamente desse excedente populacional que, embora sempre à deriva das “ondas” do mercado, mas inconformado e não resignado a esperar a “sorte” e sem condições sequer de começar a pensar em “futuro” e trilhar o caminho dos estudos porque não têm quem e/ou o que lhes sustentem nem ao menos um dia, empreendem, pois o instinto de sobrevivência comanda e a capacidade de empreender —que os Governos incentivam— autoriza, lançando suas próprias vidas ao risco total.

Pois é a capacidade de empreender dessas populações abandonadas como estorvo por usarem contra a sociedade o único patrimônio que têm, seu instinto de sobrevivência, que obriga a sociedade e seus privilegiados a incluí-las se quiserem melhorar e sarar dos males que os afligem, caso contrário continuaremos correndo o eterno e diário risco de perda e morte, o chamado "Risco Bem”.

Dentre as criações das populações abandonadas, não podemos esquecer, estão, no plano da história oficial, a colonização do Meio-Oeste do Estados Unidos, feita por rejeitados da costa leste industrial, a Revolução Francesa, dos “sans culottes”, os pobres de Paris, a Revolução Russa e a Revolução Chinesa, quando camponeses e operários russos e chineses espoliados e afaimados, empunhando enxadas, picaretas, porretes, foices e martelos, constituíram um todo com seus desnutridos exércitos equipados com armas enferrujadas para derrubar as monarquias russa e chinesa; e, no plano da história marginal, os empreendimentos dos presidiários e o tráfico de drogas, que chegam a edificar decamilionários patrimônios.

Criar outra sociedade sem incluir a todos é repetir o fracasso desta nossa civilização cristã-capitalista.



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