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Monday, January 29, 2024

ESPIRITUALIDADE E RELIGIÃO NADA TÊM EM COMUM ! 


 Espiritualidade e Religião Nada Têm em Comum ! 

A Igreja Católica Apostólica Romana foi convidada —ao menos é o que se diz, embora deva ter havido alguma maquinação entre  as autoridades romanas e os novos cortesãos— para a Corte romana prometendo cuidar da alma do ser humano e dos pobres. Mas tanto ela quanto as demais religiões reformadoras que dela derivaram mil anos depois, embora apresentem-se como a verdade natural e como a espiritualidade do ser humano, são de fato dogmas de fé, ou seja, prisões de almas. Em vez de explicarem a evolução e trabalharem a favor das características naturais do ser humano, apenas impuseram dogmas de fé e um código disciplinar que trouxe para os humanos muitas limitações, proibições, culpas, pagamentos de dívidas psicológicas alheias e punições em nome de uma ficção chamada Deus, que representa os donos-do-mundo. 

O rio corre pelo chão,

Quando esquenta, vira vapor, sobe pro céu,

No céu, esfria de novo e despenca feito chuva.

Não há ninguém lá em cima que mande chover ou fazer sol.

O vapor esfria, vira água de novo e cai de volta no chão. (bis)

A chuva é o mar, é o rio que evapora,

Mas parece, não é?, que é o céu que chora.

Se vivemos enganados há tanto tempo, deixo uma deixa:

                        não existe ninguém lá em cima pra ouvir a nossa queixa.

Espiritualidade é uma sensação, um sentimento, uma relação pessoal, grupal, sensorial ou racional ou ambas, meditativa, contemplativa, consciente, inconsciente, de identidade, semelhança, afinidade, parceria, alegria, admiração, estranheza, esquisitice, dúvida, repulsa, antagonismo, tristeza, medo, horror e tantas outras sensações em relação a outra pessoa, grupo de pessoas, a um ou vários animais, às partes do corpo de uma ou muitas pessoas, vegetais, com os momentos especiais da vida, as recordações, os eventos da natureza como o ar, a brisa, a ventania, a neve, a nevasca, a gota, a água, o rio, o riacho, o oceano, a cachoeira, o pingo de chuva, o chuvisco, a garoa, o temporal, a moita, o capim, a relva, o mato, o matagal, as folhas, as folhas secas, as estações do ano, a flor, a árvore, o tronco, os galhos, o sol, o céu, a lua, o luar, um lugar, uma cidade, uma saudade, um canto, uma rua, uma esquina da cidade, uma marquise, uma calçada, um cartaz, uma fotografia, o calor, o frio, a dor, a morte, a vida, a cor, qualquer fato, as cores e tantos outros seres e fenômenos da natureza e todas as suas imagens e sons.

No plano físico, neurológico, cada sensação dessas causa em cada ser humano, dependendo da história e do trajeto cultural de cada um, uma específica reação química que estabelece nosso estado de humor: o que sente nosso corpo, bem estar ou mal estar, um estado definido ou indefinido, seguro ou inseguro, alegria e atração ou dor e repulsa.

Assim o primitivo se relacionava com a natureza.

Admirava o sol e a água mansos que fazem germinar no solo as sementes, as plantas, o fruto, o alimento, e dava-lhes oferendas de agradecimento. Temia o sol e a água bravos que ressecam, inundam e matam o solo, e fazia-lhe oferendas de súplica. E assim por diante.

E suplicavam também com palavras. Os pedidos espontâneos ao vento, ao sol, à lua, às tempestades, e aos demais fenômenos da Natureza, a Igreja Católica escondeu,  apropriou-se deles, tornou-os obrigatórios com os nomes  “prece”, “oração” ou “reza”, como se fossem inédita exclusividade de seu convenientemente inventado Deus.

Para tentar explicar o que não sabe, o ser humano cria seres e coisas à sua imagem e a serviço de sua necessidade, e assim inventou que cada fenômeno natural era enviado por uma divindade; muitos eram os fenômenos, muitas eram as divindades, de todos os sexos. O ser humano vivia em tribos, todos os adultos relacionavam-se sexualmente entre si, todos os sexos considerados.

Desta dualidade de um mesmo fenômeno da Natureza —a chuva, por exemplo, dependendo da intensidade, fertiliza e destrói—  a Igreja Católica inventou o aterrorizante Bem e Mal.                

 Milênios depois, precisou ocultar a reprodução instintiva dos animais nos primórdios, quando o cio da fêmea atraía o macho e a cópula ocorria. Inventou uma Virgem Maria e uma relação sexual sublime entre ela e um Anjo, da qual nasceu o Messias. O ser humano não teria mais sexualidade. A reprodução humana seria dali em diante sem cio, sem desejo sexual. A união entre homem e mulher, o “sacramento” matrimônio, seria eterna, “para todo o sempre”. Só  haveria sexo para fins reprodutórios. Tudo o mais seria “indecência”, “pouca vergonha” entre os seres humanos.

Longe dali as tribos vieram prolifererando, a proliferação expandiu os territórios ocupados, a expansão trouxe a separação de pessoas e recursos; a separação começou a dividir as tribos em famílias. O maior distanciamento exigiu a subdivisão e coordenação dos estoques que precisavam estar à disposição; a subdivisão exigiu a coordenação entre os estoques parciais. A coordenação dos estoques começou a dar origem ao Estado.

 Os estoques separados exigiram a responsabilização de pessoas para geri-los; os responsáveis eram escolhidos segundo sua competência e experiência. Os estoques foram se particularizando naturalmente.

A população e os territórios continuaram expandindo; a distância cada vez maior entre os responsáveis pelos recursos e suas porções da tribo foi exigindo deles decisões cada vez mais pessoais; a distância dos demais responsáveis dificultava e impedia a decisão em consenso. Cada responsável começou a ter que decidir sozinho, o responsável isolado era o curador dos recursos sob sua responsabilidade. Começava a nascer a propriedade privada. 

Há pouco mais de dois mil anos surgiu em Jesusalém, na Palestina, então ocupada pelo Estado de Roma, um grupo de pessoas que percebeu e deu especial atenção à existência de pessoas pobres e à desatenção com que eram tratadas. O líder se chamava Jesus Cristo, o grupo tinha uns doze membros.

Havia na cidade outro movimento de resistência na época, os zelotes, palestinos que conspiravam para retomar o poder aos romanos através da luta armada. Sondado por eles para ingressar no grupo, Cristo recusara-se a aderir alegando que seu movimento não era armado, “não era desse mundo”.

Na época não existia “economia” como objeto de estudo. Sabia-se apenas da atuação dos seres humanos em relação aos outros seres humanos.

Para Cristo, a maneira de dar a apregoada atenção aos pobres era pedir que os ricos do lugar fossem generosos, distribuissem suas riquezas, e atentassem para os problemas de saúde dos pobres. Seu movimento era idealizado —e o Cristianismo assim é até hoje— baseado na sua capacidade pessoal de observar e pensar sobre as deficiências e insuficiências da sociedade que presenciava e na qual vivia. Deve ele ter pensado, como muitos, que os seres humanos eram todos iguais, e que a intelectualidade dele, Cristo, era comum a todos. Como o materialismo dialético de Marx ainda não existia, não fazia ele idéia que o móvel do ser humano é a necessidade, não os ideais — os ideais podem até existir, mas, se não corresponderem a necessidades objetivas, serão sobrepostos, não irão adiante. Os seres humanos vivem o instinto de sobrevivência, acomodam-se na estrutura que lhes é oferecida para viver; se têm ideais, estes limitam-se, por necessidade de firmar-se e ascender socialmente, a destacar-se no interior da sociedade dominante.

Se Cristo, indivíduo inteligente, talvez (em relação à Antiguidade) pioneiro na atenção aos pobres, conhecesse Marx, hoje nosso pé no chão, sem dúvida a humanidade teria se beneficiado muito já a dois mil anos atrás.

Mas os ensinamentos gregos especulavam sobre a existência de um espaço supraterreno, onde haveria um deus-criador, e o judaísmo, que também se baseava em um deus único, profetizara para a época o nascimento de um “novo Messias”, etiqueta atribuída a Cristo e renovada em suas andanças e conversas precoces. Mais adiante na vida, aos 33 anos, quando já seguia avançado o movimento hoje conhecido como Cristianismo, ele, Cristo, confuso quanto a sua possível ligação com o deus-criador, foi meditar no deserto a ver se lograva algum contato com seu deus-pai. Talvez influenciado por esse estado mental místico e misticista e pela tradição idealizadora judaica, que criara, vivia e professava uma visão mística do destino do povo judeu, Cristo criou para si mesmo uma idealização e dali em diante passou a denominar-se “o filho de deus feito homem”.

A visão mística do próprio destino deve ter sido uma habitual decisão política necessária ao povo judeu, que, depois de expulso de sua terra natal, nunca mais voltara a viver nela ou noutra que viesse a chamar de sua. O povo judeu sempre vivera, e viveria no futuro, em nações alheias; para manter-se unido, portanto, era preciso muita tenacidade e coesão. A atuação dos judeus, cujo judaísmo não acreditava em anjos, ressurreição dos corpos, imortalidade da alma e tais bobas, mas convenientes, fantasias católicas, é portanto política, cuja plataforma tinha a missão nuclear de unir todos os seres humanos e conduzi-los, oferecendo-se como exemplo, a essa união.

Mas o Cristianismo teve contestadores entre seus apóstolos: uma coisa era liderar um movimento em prol dos pobres, outra, um absurdo, era chamar-se filho de deus.    

Ao ouvirem falar do tal reino dos céus, onde reinava outro rei que não um romano, os romanos sentiram-se ameaçados e foram tomar satisfações aos judeus. Em vez de explicar que seu movimento era místico, coisa da alma humana, Cristo, provavelmente por ter confundido sua catarse com a realidade, insistiu na existência do reino dos céus e por isso, por iniciativa dos romanos, foi condenado pela casta rica dos judeus, os saduceus, para não porem em risco os bons negócios da elite judaica com seus senhores romanos [A eterna cumplicidade entre o colonizador e a burguesia dominante de um país.] . Os judeus não tinham a crucificação em seu cardápio de execuções, Cristo foi crucificado pelos romanos.

O Cristianismo expandiu-se na região. Por volta do ano 400 d.C., Roma estava falida e endividada. Os campos não produziam, os camponeses reivindicavam junto às autoridades romanas, em nome de suas muitas divindades, o atendimento de suas necessidades.

A nova religião apresentava a conveniência de oferecer uma única explicação para a origem do mundo, criado por um único deus que exigia “ser amado sobre todas as coisas” (uma cláusula tácita exigia também o temor a Deus) e, ainda por cima, que seus fiéis renunciassem aos bens terrenos para merecer a vida eterna no paraíso. Para Roma aquela era a solução para todos os seus problemas, e o Estado Romano não hesitou em institui-la como religião oficial. 

Vamos lembrar mais uma vez que também no Egito Antigo, em ca. de 1580 aC, com o mesmo objetivo político, Amenófis IV também promoveu a unificação de todos os deuses, unificação representada pelo disco solar – Aton. 

A nova religião, tendo descartado toda a evolução do ser humano, que na época sequer era objeto de estudo, desconsiderando as características naturais do ser humano inventou Deus e o impôs à humanidade como criador do firmamento e da natureza. E um  homem e uma mulher, um casal, como origem do ser humano. E impôs um código de conduta, um conjunto de dogmas de fé que, se desobedecidos, seriam considerados “pecados” e, como tal, punidos. Quando a nova religião passou a oficial, os “pecados” dos fiéis passaram a ser crimes contra o Estado.

Pecados eram as transgressões ao código de conduta religioso, que eram punidas com castigo físico, prisão e morte. Dessa punição, mais especificamente do medo de ser punido, nasceram todos os preconceitos ainda hoje vigentes no comportamento do ser humano.

A punição individual é marca de nosso sistema judiciário contemporâneo. Como tudo o mais na ideologia dominante, é uma máscara que faz grande alarde mas não conduz à causa e muito menos à solução dos problemas, máscara que têm origem de fato na escassez disputada pela enorme maioria dos seres humanos, porque a fartura pertence a um miúdo punhado deles. Punindo o indivíduo, a sociedade dá o problema por encerrado; o indivíduo é preso, mas a estrutura da sociedade não é atacada, o problema não é sequer abordado, e muito menos solucionado.

A logomarca do Cristianismo seguiu sendo divulgada: a imagem de Cristo exausto carregando a cruz, filetes de sangue escorrendo no rosto mostrando dor, uma coroa de espinhos na cabeça, apanhando dos soldados romanos e dos circunstantes que o acompanhavam recriminando e zombando de sua pretensão de ser rei. E o retrato de Cristo impresso em sangue num pano.

Ele não renegara o reino dos céus, não abrira mão de ser o filho de deus, e,  como Roma não admitia a existência de outro rei, foi condenado e crucificado. Para nos salvar, impôs a Igreja Católica Apostólica Romana. Nos salvar por quê? Porque, se tivesse negado “seu” reino do céu, o ser humano devoto e obediente não teria para onde ir após a morte, outra   ficção —a vida eterna, um prêmio de compensação para todo aquele que obedecesse aos mandamentos—  que  jamais existiria, e a Igreja Católica tampouco prosseguiria.

A Igreja Católica Apostólica Romana acabava de aplicar o primeiro “conto do vigário na humanidade da época, que dali em diante aplicaria em todo ser. Sim, porque, a bem da verdade, seus papas, cardeais, bispos, padres, sacristãos e prepostos são, com suas roupas exóticas e sofisticadas, meros vendedores de um “Plano Moradia no Aém”. A Igreja Católica sagrou-se “o grande espertalhão” de nossa civilização, porque é hoje, século 21, nada mais nada menos, a maior proprietária de imóveis neste nosso planeta — imóveis terrenos, precisamente aqueles aos quais ela exige que seus fiéis renunciem.

Segundo sua própria doutrina, entretanto, se renunciar aos bens terrenos era necessário para ter acesso à vida eterna no Céu, ela própria, a Igreja Católica... iria para o Inferno?

Iniciava-se a “Era do Espertalho”, como já dito na Contradição 11.

De seu objetivo original, dar atenção aos pobres, oficializado por Roma e continuado com o nome de Igreja Católica Apostólica Romana, restou para os pobres apenas a esperança de redenção do sofrimento renunciando aos bens terrenos em vida e pagando os pecados do mundo para auferir a vida eterna após a morte. De concreto, porém, além de muita reza[1], a Igreja Católica —nem as reformas protestantes mais tarde—  fez e faz pouquíssimo pelos pobres e enfermos proporcionalmente ao imenso e crescente quorum de pobres no mundo e ao imenso patrimônio imobiliário e fundiário que ela capitalizou.

Por quê a igreja não cumpriu seu objetivo original? Muito simples: porque ela agiu como de fato era, uma empresa dona de latifúndios, feudos concedidos pelas cortes. Tornara-se cortesã, elite dominante, a partir do instante em que fora adotada por Roma como religião oficial. Os fundos que arrecadou até começar a emprestar a juros altos para os castelos e enriquecer definitivamente, financiando as guerras feudais de retaliação e de conquistas territoriais, provem da renda de suas terras arrendadas a colonos a altíssimas taxas, do dízimo cobrado a todos os católicos, da venda de indulgências a soberanos, nobres, ricos mercadores e a qualquer um que por elas pagasse vultosa quantia e das famílias dos papas, que eram riquíssimas. Papas, cardeais e bispos frequentavam os castelos, eram membros assíduos das cortes e participavam de suas decisões políticas, mandando e desmandando.

As religiões enganam o ser humano quando se autoproclamam ser a espiritualidade do ser. Suas proibições são dogmas de fé, mera repressão às características naturais do ser humano, são um reles código de conduta, uma adequação às determinações dos organizadores do mundo, homens ricos, estabelecidos no mundo, e superiores hierárquicos. Causam ao vivente danos tão irreversíveis —como as carências de afirmação decorrentes do culto cada vez mais forte ao individualismo necessário à manutenção do capitalismo, à obediência e culto ao modelo de indivíduo rico e poderoso— que foi preciso inventar uma ciência, a Psicologia, para tentar desemaranhar as neuroses humanas que foram aumentando na proporção direta do aumento do aperto nas cidades e da impossibilidade de as determinações civis e eclesiásticas serem cumpridas na prática da vida... Porque a realidade humana não se motiva em idealizações —apesar da propagada insistir nelas para desviar o ser humano da razão e deixá-lo à deriva das manobras dominantes— mas na mobilização para satisfazer as necessidades.

Antônio Maria e Fernando Lobo descreveram com maestria, na canção “Ninguém me ama”, essa carência do ser humano que se identifica com os valores dominantes. 

"Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de “meu amor”.

A vida passa, e eu sem ninguém, e quem me abraça não me quer bem.

Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso,

E hoje descrente de tudo me resta o cansaço,

Cansaço da vida, cansaço de mim, velhice chegando,

E eu chegando ao fim."

 

As igrejas são empresas privadas, e por isso dão amparo e refúgio à ampla e irrestrita atuação da ideologia dominante capitalista. A Igreja Católica Apostólica Romana foi e é, como já dito, a maior empresa imobiliária do mundo, motivo por que, também contra os partidários da propriedade coletiva dos meios de produção, os comunistas, ela criou um preconceito específico, acusando-os de “não terem Deus nem amor no coração”.

E são sempre oportunistas. Recentemente, em 2015, quando o Estados Unidos, depois de mais de 50 anos de bloqueio econômico contra Cuba, reatou relações comerciais e civis com a ilha, a Igreja Católica tratou de ir lá às pressas, em viagem notoriamente autopromocional, para não perder seu “mercado”, o “povo pobre” do lugar, objetivo social que lhe rende isenção de todos os impostos, fartos donativos do setor privado e perpétua capitalização, em troca de umas obrinhas sociais, umas migalhas para os pobres.



1 Há um país na África, não me lembro qual, que, nos momentos de dificuldades, em vez  em rezar manda matar passarinhos. Assim, para resolver nossos problemas, em oposição a pensar em conjunto temos duas outras possibilidades, rezar e matar passarinhos.



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