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Saturday, October 05, 2024

 1    NOSSA CIVILIZAÇÃO NÃO DEU CERTO !

 Os ideais não estão necessariamente errados, mas  são mera poesia em nossa civilização porque desprezam a natureza e as características e necessidades naturais humanas, servindo apenas para regulamentar o comportamento humano em benefício dos dominantes, que oprimem e reprimem para se manterem no poder instituindo leis e atitudes policiais contra a imensa maioria da população não-atendida pela estrutura socioeconômica. 

O que se quer nem sempre se precisa; mesmo quando o objeto das duas ações coincide, nem sempre se pode realizá-las. Mao Tsé-Tung pregava "o possível e o necessário". O "eu quero", próprio da infância no regime de produção capitalista, é compulsória afirmação individual, necessidade criada e incentivada para gerar a competição entre todos os seres humanos. Um contra um ou, segundo Werner Herzog, “Cada um por si e Deus contra todos”.

 

Ouvi dizer um dia um músico negro estadunidense: “Nada tenho contra os sonhos; só que antes de realizá-los é preciso acordar!” [Ouvi essa frase num vídeo sobre a história da música negra nos Estados Unidos, que assisti no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, lá por volta de 2005, mas esqueci de anotar o nome do músico e o título do vídeo.]

 

Em administração de empresas, quando é muito grande a quantidade de erros no curso de um processo industrial, comercial ou administrativo, diagnosticamos que o erro não é dos operadores humanos, mas do processo em si. 

Em relação ao esperado cumprimento dos vários códigos de conduta traçados para as várias atividades humanas nessa civilização, nossos olhos, todos os nossos sentidos e a imprensa falada, escrita e televisada comprovam que é enorme a quantidade de transgressões funcionais nesse regime capitalista em que vivemos e cujas premissas estão socadas no fundo de nosso cérebro pela opressão e repressão praticadas pelos donos do mundo e seu luxuoso e imprescindível ajudante enganador, as religiões. Nossas religiões nada tem de espiritualidade, são meras proibições e dogmas de fé, todas culpam o ser humano e condenam-no a obedecer e sofrer, e por isso podemos chamar essa nossa era de “mórbido apogeu” ou “mórbida apoteose”, “agonia apoteótica” até.

O pior dessas premissas no fundo do nosso cérebro é que elas, em vez de serem socadas como são, isto é, como condutas “sociais” e “conjunturais”, são socadas como verdades “naturais”, gerando no ser humano muitas carências, vergonhas e culpas.

Esse resultado mórbido não foi premeditado, as decisões foram tomadas e os atos executados para solucionar as dificuldades do dia-a-dia. As tribos foram procriando, aumentando, os territórios foram expandindo. As tribos foram se dividindo em regiões, em cada região nasceu um viveiro de bois, ovelhas e alimentos. A necessidade de controlar e administrar o conjunto dos viveiros e de reunir contingentes humanos para as guerras criou o Estado. A propriedade privada nasceu do distanciamento cada vez maior entre os viveiros, porque o pastor, cada vez mais especializado, cada vez mais longe do núcleo de sua tribo e assim, nas fronteiras, cada vez mais misturado a gente de outras tribos, passou a ser, não mais o almoxarife de uma tribo específica, mas o mero responsável pelo rebanho no cercado. Entre tantos cercados, cada um originalmente de uma tribo diferente, os responsáveis começaram a trocar diretamente uns com os outros. Longe de seus núcleos, longe da taba da tribo original, os pastores passaram a trazer mulheres para conviver. As mulheres começaram a gerar filhos. A família, como a concebemos hoje, nasceu quando a linhagem dos filhos passou da mãe para o pai, porque o pai precisava saber, por questões de sucessão, quem eram os seus filhos.

Nessa evolução, a incapacidade humana de prever a longo prazo o resultado de nossas decisões e atos, ainda que satisfatório para solucionar uma necessidade ou um problema circunstancial corrente, é a grande responsável pelo fiasco de nossa civilização. Quem diria de antemão, por exemplo, que a primeira fumaça exalada para a atmosfera de uma chaminé rudimentar na Inglaterra nos meados do século 19, logo após a descoberta da máquina a vapor, iria um século depois começar a aquecer o ar a ponto de furar a camada de ozônio que protege do sol o nosso planeta, deixando entrar os raios ultravioletas, superaquecendo nosso planeta? Não só a superaquecer, como também a contaminar a atmosfera. E, muito antes, desde o início deste planeta, quem diria que os gases intestinais dos bovinos, e dos nossos também, iriam esquentar o mundo.

Nossa ciência estuda os fenômenos à medida que vão acontecendo, quando um desastre ambiental ou social ocorre já é tarde demais.

A contradição é tanta que o sistema econômico resultante dessa evolução se beneficia dos estragos que ele mesmo causa ao planeta. Por que? Porque as atividades de reparos no planeta, até então inexistentes, contratam trabalho adicional, os salários pagos geram consumo adicional, o PIB e a Renda Nacional aumentam.

Fatalidade. Hoje em dia, todos os processos de cultivo e produção em larga escala, em todos os campos e indústrias, sujam e envenenam a Natureza: solo, subsolo, águas, vegetação, florestas, atmosfera, seres humanos e animais.

Este dano, somado à incapacidade de o ser humano prever a prazo muito longo —só conhecemos os danos depois que acontecem— incrimina o dono do mundo, desqualifica-o para ser cacique. Se somarmos aos campos e indústrias danosas, e dolosas muitas, os bancos e investidores que as financiam e os empregados que reproduzem este sistema de produção e seus valores, concluímos, obviamente, que nenhum dono do mundo pode ser cacique.

O cacique zela pela tribo e pelo território, seu habitat; é aclamado pela tribo.

Adiante, na época dos reis e castelos, os reis, impondo-se como “enviados de Deus para conduzir o povo”, herdaram essa “aclamação”, herdaram do povo crédulo o respeito e a reverência àqueles que também se dizem “representantes da nação”, fama de que também se beneficiam, hoje em dia, os que se dizem donos do mundo e seus representantes.

A punição individual e o tratamento dos sintomas são outros dois “costumes” sociais que impedem a sociedade, por conveniência do regime capitalista, de solucionar seus problemas. Punindo o indivíduo, a sociedade dá o problema por encerrado; o indivíduo é preso, mas a estrutura da sociedade não é atacada, o problema não é sequer abordado, e muito menos solucionado. Como as causas não são extirpadas, o tratamento dos sintomas adquire status de realização dos governos. Quantas vezes vemos na TV, procurando de um canal a outro algum programa interessante, tantos grupos de três, quatro, cinco pessoas discutindo questões como direitos humanos, estatuto da criança e do adolescente, estatuto do idoso, lei Maria da Penha, violência contra a mulher, diversidade sexual e tantos mais— que são meros sintomas de causas muito mais profundas introjetadas, socadas a pilão desde a infância em nosso inconsciente coletivo. 

Pois é. Não bastasse nosso sistema econômico empenado, que entortou e foi entortando cada vez mais por beneficiar os donos das coisas, que são cada vez menos e vão enriquecendo cada vez mais, e desprezar quem as faz e repara todas, que são cada vez mais e vão ganhando cada vez menos, ainda por cima surgiu há dois mil anos uma tal religião que desprezou toda a evolução anterior dos seres humanos e animais do planeta e do planeta em si e inventou e impôs uma lenda de que existiu um criador do mundo, um deus único que nos impõe proibições e dogmas de fé, inclusive a culpa e o pagamento dos “pecados do mundo”, que devemos obedecer e acreditar — isto é, punindo os não-privilegiados pela acumulação de riqueza dos privilegiados que empenou o nosso destino!

A Igreja Católica puniu até o sexo: nascemos com o “pecado original” porque nossos pais praticaram sexo para nascermos. E exterminou a sexualidade humana: só é permitido praticar sexo para fins reprodutórios. 

As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual... (Karl Marx e Friedrich Engels, “A Ideologia Alemã, Ed. Expressão Popular, 2009)

 

Até então as divindades eram muitas, lendas por nós humanos criadas, cultivadas e cultuadas para preencher nossa desconhecida relação com a natureza e toda a história humana. Pois a espiritualidade é a relação dos seres humanos com os fenômenos da natureza, entre si e com os animais, os objetos e tudo o mais que encontramos, é um estado sensorial, um sentimento em princípio sem explicação. A brisa, o vento, o rio, o riacho, a lua, o luar, o sol, a seca, a colheita, a chuva, cada fenômeno gera em cada ser humano sensações de simpatia, medo, admiração, dúvida, etc.

O fato de todos os fenômenos da Natureza terem dois lados, um positivo, outro negativo, um que constrói outro que destrói, pode explicar a dualidade dos nossos valores, pode explicar nossa facilidade em cair na conversa do que nossa civilização chama de bem e mal, deus e diabo. O sol que energiza o cultivo e a colheita dos alimentos é o mesmo que, em outra época, resseca e queima o solo e a plantação; as águas que descem do céu e irrigam são as mesmas que inundam e desmoronam tudo, e assim por diante.

O sol de ressecar e a chuva de inundar amiúde resultavam da ira de Deus, que assim pune quem mora em lugar pobre, a morada dos que fazem e consertam todas as coisas na Terra, a morada de quem gosta de viver, de confraternizar, de quem extrai o máximo do mínimo e cria as artes, o bom humor, a camaradagem e a alegria de viver.

Uma religião repleta de dogmas de fé e proibições nada tem a ver com o espírito, mas a religião católica apostólica romana inventou a lenda do tal deus único e, ainda por cima, impôs que adorá-lo significava a nossa espiritualidade. E o Estado Romano — convenientemente e conforme,  depois de adotar o Cristianismo como religião oficial e convidar a Igreja a fazer parte da Corte, começou a tratar como crime todos os “pecados” inventados pela religião empossada. Afinal, o tal deus, além de substituir todas as demais divindades anteriores com suas tantas influências sobre o povo, mandava seus fiéis renunciarem aos bens materiais em troca de uma vida paradisíaca após a morte. 

Egito Antigo, ca. 1580 aC. - Amenófis IV, com o objetivo político de diminuir o poder sacerdotal que ameaçava o poder do faraó, unificou todos os deuses, unificação simbolizada pelo disco solar – Aton.

 

O bem obedece ao dono do mundo, o mal desobece. A Natureza é dual, constrói e destrói, mas as moradas dos donos do mundo são inatacáveis. Os donos do mundo não pagam os pecados que os demais pagam, nem mesmo os estragos que causam com suas indústrias e dejetos ao Planeta. Para esses a Igreja no passado vendeu muito ingresso para o céu, o tal “carnê indulgência”, e desses recebe hoje, em troca de manter os seres humanos resignados com seu sofrimento e sua renúncia aos bens terrenos, obesas contribuições. Mas essa renúncia valeu e ainda vale para os fiéis, mas nunca valeu para a própria Igreja, que é hoje a maior proprietária de imóveis deste mundo. Ai do fiel que não renunciar! Vai para o Inferno, um lugar com labaredas, muito mais desagradável que o verão mais quente da Terra.

A Igreja Católica, não renunciando aos bens terrenos, desobedeceu seu requisito básico para ir para o céu; contraditória na própria doutrina, vai para o Inferno.

A Igreja Católica criou os mandamentos: não roubar e não matar passaram a ser proibidos, apesar de ter sido exatamente assim, saqueando e matando, que quem está hoje no poder se estabeleceu no passado e ascendeu ao poder. contraditória na própria doutrina, vai para o Inferno.

Da violência aplicada contra a população, mais propriamente do medo de ser punido, foram nascendo entre o povo, um a um, os preconceitos.

O câncer é uma doença que se desenvolve, a partir de um corpo ou fenômeno estranho ao organismo, em tecido saudável e o destrói, utilizando-o para expandir-se e enfim tomá-lo todo, destruindo-o. Qualquer semelhança com o regime de produção capitalista ¿será mera coincidência?

Some-se o estímulo capitalista ao individualismo, ao sucesso individual, que lança  os seres humanos em acirrada disputa um contra o outro em casa, no trabalho, em todo lugar, de tal modo que, como o individualismo tende a um, daqui a uma centena de anos — tanto assim? — teremos um único ser sobrevivente no planeta a berrar sua vitória e bater no peito, de frente para o sol, para os ares... se ainda existir ar. 

T.S.Elliot:

"This is the way the world ends. ... Not with a bang but a whimper."

 (Minha tradução livre:... É assim que o mundo acaba. / Não com um gongo, mas com um gemido.)

(Minha paródia: ...Não com uma ruidosa explosão de calor, mas com um chorado gemido de dor.)

 

Dolosa a Igreja Católica, e suas seguidoras e adeptas, criminosa mesmo, por ter inibido e reprimido a sexualidade humana, para ela poder praticar sexo à vontade nas clausuras dos colégios católicos e nos conventos e seminários . Dolosa e criminosa por ter inibido e sufocado a necessidade de o ser humano ter um lugar para morar e plantar. Afinal ela queria para si todas as terras, que o diga o patrimônio do Vaticano.

Ora, se ela reprime a sexualidade humana, impedindo que o ser humano relaxe para dedicar toda sua energia ao trabalho alienado, e se ela manda os seres humanos renunciarem aos bens materiais para ela e os donos do mundo se apropriarem de toda a riqueza, não é à toa que os donos do mundo a gratifiquem com tão obesos donativos! Os donos do mundo são, como na TV, os patrocinadores da Igreja Católica. Na Idade Média eram os castelos, os reis. Os fiéis são os consumidores dos serviços eclesiásticos.

 

A Igreja Católica inventou Deus para tomar dos dois lados: dos pobres, cobrando emolumentos nas missas, batizados, primeiras-comunhões, crismas, casamentos, enterros, etc., onde puder; obrigando-os, por ter inibido e reprimido a sexualidade humana, a terem que canalizar toda a energia sexual para sobreviver do trabalho alienado; explorando-os como colonos nos feudos da Europa, cobrando deles taxas de arrendamento altíssimas para roçarem as imensas terras que ela ganhou dos castelos dos reis [inclusive no Brasil, onde é sócia de estados e municípios em vários pontos do país, recebendo por isso uma alta taxa, chamada laudêmio, nas vendas de imóveis ali realizadas]. Esse preço tão alto é o preço que todos pagamos para aderir ao jamais comprovado Plano Moradia que ela oferece no Além... Coisa de 171!

 

Houve na União Soviética, a partir de 1917, um regime socialista de produção, que no confronto direto com o sistema capitalista do Ocidente veio enfim a soçobrar em 1991.

O socialismo não teve vida longa porque nele o Estado não arrecada impostos sobre o lucro agregado a cada etapa da produção e distribuição, ao contrário do sistema capitalista. No capitalismo, a cada estágio da produção um imposto é cobrado sobre o lucro: o Estado arrecada. Aquele produto segue adiante, é acoplado a outro —que também já pagou imposto— formando um terceiro. Este terceiro, encaminhado à etapa seguinte, recolhe seu quinhão.

Como o Estado  não arrecada no socialismo, toda expansão tem que valer-se apenas do aumento da quantidade de trabalho humano aplicada aos vários segmentos da indústria. Na União Soviética, esse aumento de trabalho humano teve infelizmente que dedicar-se ao necessário aumento da indústria de guerra defensiva para fazer face à enorme ameaça da riquíssima e poderosíssima indústria bélica do Ocidente, ocupando trabalho que deveria estar sendo aplicado à produção das necessidades básicas da população.

Exemplo contundente desse exaustivo esforço interno foi a criação na União Soviética de uma Academia de Ciências que causou inveja e temor ao Estados Unidos, ao ponto de acirrar e manter sempre crescente a então chamada “Guerra Fria” entre os mundos capitalista e comunista.

Esse tal desvio do trabalho humano para atender a necessidades não populares, mas apenas às estatais institucionais, foi o que inviabilizou o sistema socialista de produção. As filas para compra de alimentos, fogão, geladeira, margarina e outros artigos básicos não pararam de aumentar, o sistema socialista cerrou suas portas.

Ficou claro para o mundo que não há convívio possível entre um sistema socialista de massas e um sistema capitalista de produção. Lenin já sabia disto. 

E assim, aos trancos e barrancos, vamos evoluindo, e hoje, 2022, aturar a ideologia dominante tornou-se uma reles patologia mórbida — a  “cristocapitalose”. Os donos do mundo e seus prepostos, que perfazem uns 20% da população do planeta, precisam montar e manter uma estrutura policial beligerante e punitiva contra o risco de serem perturbados pela ação dos dominados insubmissos que vivem por mero instinto de sobrevivência, daqueles para quem viver é atividade de alto risco, de risco 100%.  

Para isto não há cura ou correção, a história prova que, quanto mais aumenta a repressão e o aparato policial, mais aumenta a pobreza e maior e mais forte é a reação dos oprimidos: a proação contra as pessoas às quais possam ter acesso a baixo risco. Sem resgatar a fartura da natureza para todos os seres humanos, sem resgatar as características e necessidades naturais do ser humano, será impossível atenuar e extinguir esse confronto. 

Na era feudal, na maioria dos castelos, em geral somente o primogênito herdava o patrimônio do pai. Os demais tinham que conquistar cada um seu próprio patrimônio, o que faziam montando exércitos e invadindo outras terras e domínios. Hoje em dia (2022), a situação dos não-primogênitos equivale à ação dos não-privilegiados com patrimônio de berço, que montam seus esquemas extralegais de arrecadação e conquista.

A atividade de pilhagem e conquista dos castelos foi financiada geralmente pela Igreja Católica Romana até que, emprestando a juros muito inferiores aos dela, os judeus entraram no mercado de emprestar dinheiro, sendo por isso punidos por ela com fartos preconceitos e torturas das inquisições.

 

As leis e costumes marginalizam cada vez mais os que não tem patrimônio, e suas iniciativas marginais de sobrevivência são cada vez mais reprimidas. Quanto mais a riqueza do mundo se concentra em uns poucos indivíduos, tanto mais aumenta a força repressora, tanto mais aumentam as iniciativas a base do instinto de sobrevivência.

Para criar uma nova sociedade será preciso dialogar com essas forças da sobrevivência, descobrir com elas uma forma de colocá-las em jogo. Não podemos culpá-las por quererem —assim como muitos cidadãos “do bem” que preferem, “para não ter patrão”, empreender negócios próprios— viver insubmissas.

Por esse motivo, essa nossa civilização, do jeito que está, não deu e não dará certo!

Tanto mais porque a desigualdade econômica de fato cria seres “melhores” e “piores”, uma conclusão chocante, de tão cruel, que, se vista com olhos da direita, poderia justificar a alegação do escritor inglês Houston Stewart Chamberlain, supremacista autor de "Fundamentos do Século XX", que pregava a supremacia dos “arianos” (nome usado indevidamente) sobre os demais povos e afirmava que “a pobreza dos homens era prova da existência de uma inferioridade racial, e por isso os homens pobres deveriam ser esterilizados ou escravizados”.

Poderia justificar, mas não justifica, porque a desigualdade biológica é causada pela desigualdade social, não o contrário.

As mulheres grávidas ricas e as com suficiente poder aquisitivo podem alimentar-se e a seus embriões na placenta com qualidade máxima, enquanto as não-privilegiadas tem que restringir-se ao pouco que recebem para sobreviver, gerando nos embriões insuficiências de nutrientes e vitaminas e, nos nascidos, consequentes circuitos não tão bem acabados.

Ainda, durante a infância, os filhos das primeiras não precisam fazer esforço físico pesado que lhes estanque o desenvolvimento do cérebro, enquanto os das não-privilegiadas em geral acabam iniciando-se cedo na “carga pesada”. Por isso a lei proíbe o trabalho infantil.

A diferença é atenuada, e passa despercebida, porque o sistema capitalista não exige muita inteligência dos seres humanos, não precisamos usar mais que 10% de nossa capacidade cerebral para operá-lo. Mas a cruel influência da desigualdade econômica sobre a desigualdade biológica nos mostra que a desigualdade econômica criada pelo modo capitalista em que vivemos não é só “para inglês ver”: o modo capitalista de produção, além de matematicamente inviável —porque produz muita riqueza, cada vez maior, para uma pequeníssima quantidade, cada vez menor, de pessoas, enquanto, no outro extremo, produz uma pobreza cada vez maior para uma quantidade maior de gente— é inviável também biologicamente.

A desigualdade, hoje, começa na placenta das mães.

E a prática da vida a consolida:

(1) Quanto mais dinheiro uma pessoa tem, tanto mais barata a vida lhe sai, porque pode comprar mercadorias a preços bem mais baratos, porque pode comprar muitas e gozar dos descontos máximos. Os supermercados mais baratos estão localizados nos bairros mais ricos.

(2) Quanto mais dinheiro uma pessoa tem, tanto mais pode blefar, porque pode arriscar: pode apostar alto numa mão ruim porque o pobre não pode pagar para ver.

(3) Para ser pobre é preciso ter dinheiro no bolso. Quem tem no mínimo algum, não precisa andar com dinheiro no bolso porque pode pagar as compras com cartões de débito e crédito. O pobre não tem nem um nem outro, tem que usar dinheiro para pagá-las.

(4) Generalizando: quanto mais dinheiro se tem, mais fácil ganhar mais dinheiro; quanto menos, mais impossível. Quanto mais se tem, mas perto se chega da saúde, do saber, da diversão; quanto menos, mais se aproximam das enfermidades, da ignorância... 

O pobre, no entanto, tem uma virtude muito atraente, que a todos atrai: fazer, reparar, limpar e arrumar todas as coisas na superfície da Terra* e, extraindo o máximo do mínimo (ou “tirando leite da pedra”), criar a alegria, o canto, a dança, todas as artes e diversões. Por isso todos o querem, e precisam dele, até os que só querem ganhar dinheiro e para isto metem a mão até no dinheiro público, mas não precisam se preocupar em cuidar deles porque a quantidade de pobres não para de aumentar.

*O povo de um país são as pessoas que planejam e constroem todas casas, edificações e logradouros; fazem, consertam, limpam e arrumam no lugar todos aparelhos, móveis, utensílios, objetos e peças que estão nas casas, edificações e logradouros; plantam, cultivam, colhem e manejam todos alimentos que comemos; fabricam e reparam os veículos de transporte; todos os condutores dos transportes coletivos públicos; atendem todas nossas compras e perguntas nas lojas, drogarias, postos de gasolina, repartições públicas e demais pontos de atendimento; tratam de nossa saúde e nossas enfermidades; guardam instruem nossa segurança em lugares e logradouros públicos;  professores e estudantes que ensinam e aprendem todo o conhecimento produzido, gráficos e jornalistas que escrevem, editam, manipulam, comentam e divulgam todos os atos e fatos divulgados nos veículos de comunicação, e todos atletas e artistas.

Mas esses que só ganham dinheiro não pensam nem em si mesmos, nem no que põem seu dinheiro, e por isso todos seus processos de produção causam danos e destroem a natureza, o planeta, esta casa em que vivemos. Eles não tem sequer consciência de que nesta casa também eles vivem, e de que, portanto, estão destruindo a própria casa —o que significa que são suicidas inconscientes. E por isso, por serem homicidas, genocidas —o processo de conquista é homicida e genocida— e suicidas —a destruição do planeta é ato suicida—, os donos-do-mundo não podem ser caciques.
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